sábado, 23 de maio de 2015

Brasil Colônia: terra da sujeira, da doença e da preguiça.

               salvadorVisscherGerritz
“S. Salvador / Baya de Todos os Sanctos” de Claes Jansz Visscher and Hessel Gerritsz
             Os viajantes estrangeiros que chegavam ao Brasil nos tempos coloniais não ficavam bem impressionados com o aspectos de nossos núcleos urbanos. Segundo Emanuel Araújo, os portugueses preferiam os lugares altos para a construção das primeiras cidades brasileiras, o que tornava as ruas, geralmente em terreno acidentado, “irregulares, tortuosas e estreitas”.
Em 1696, Froget falava sobre Salvador:
“Como a cidade é alta e baixa  e, por conseguinte os veículos lá são impraticáveis, os escravos fazem as vezes de cavalos e transportam de um lugar para outro as mercadorias mais pesadas”.
O Marquês do Lavradio, em 1768, fala que a cidade, vista do mar, não poderia ser mais bela, mas,
(…) “isto faz com que ela não pareça tão bem depois que agente desembarca, o sítio chamado praia, que é aonde há a maior parte do comércio é bastante fúnebre, e são terribilíssimas as ruas, porém é certo, que cá em cima a cidade tem excelentes ruas, e muitos bons edifícios, o a que chamam de Recôncavo, que são os arrabaldes, e subúrbios da cidade, que é onde todos têm as suas quintas é cousa mais deliciosa, e mais formosa, e agradável que se pode ver;”.
A sujeira e a má conservação das ruas e calçadas também eram muito presentes. Em  1692, os oficiais da Câmara:
(…) “uniformemente resolveram e assentaram que se reparasse a ladeira que chamam da Preguiça, por contar [- se] estar incapaz de se poder andar, pela ruína de seixo e pedra”.
Devido ao estado das ruas havia também um grande número de poças d’água e muita lama. Somando-se a todos estes problemas, a prática comum de se atirar o lixo às ruas e dos animais  andarem soltos pela cidade.
Muitos cronistas da época alertavam para o fato de que este permanente estado de imundície era responsável por muitas doenças. De 1685 a 1692, houve um surto de febre amarela de Pernambuco a São Paulo, que teve efeitos devastadores em Salvador. Em 1667, chegou à cidade a epidemia de varíola, que voltaria a atacar de 1680 a 1684.
A arquitetura das casas também era precária, sendo estas acanhadas e construídas com material frágil. De acordo com Emanuel Araújo, as habitações eram
(…) “mal construídas,[e] eram também mal situadas. Nas localidades ribeirinhas, por exemplo, as enchentes atingiam principalmente, como sempre, as áreas pobres mais próximas ao leito dos rios.(…)  Em Salvador, para ilustrar, a cada enxurrada ocorriam freqüentes desabamentos de casas fincadas ao pé da montanha ou das ladeiras”.
A vida na Colônia era encarada como um martírio pelos portugueses que vinham para cá. Emanuel Araújo, lembra que o Brasil era visto como um lugar provisório, onde se poderia fazer fortuna de maneira fácil e retornar a Portugal numa situação mais confortável. O próprio governador Tomé de Souza, em 1551, demonstrava não suportar mais a vida no Brasil e suplicava ao rei:
(…) “por amor de Deus que mande ir para uma mulher velha que tenho e uma filha moça.”
O Marquês do Lavradio mostra ainda o mesmo desgosto pelas terras da Colônia nas suas cartas, escritas em 1768 e 1769. Nada lhe agrada – o clima lhe causa “refluxos”, a população tem uma aparência ruim e um comportamento pouco recomendável.
“As novas da terra são sensaboríssimas reduzem-se a farinha de pau, tabaco português, e o que podia ser mais agradável era o açúcar até isso cá é sem sabor; estes são os objetos sobre que rolam a maior parte das conversações, e também o [s] da maior parte do meu trabalho, e, como suponho que cousa nenhuma destas te interessam parece-me escusado o fazer-te deste negócio uma grande narração.”
O Marquês também não poupa ironia para descrever a cidade de Salvador:
“(…) os primeiros perfumes com que me incensaram quando desembarquei, e pelas ruas por onde eu passava, eram da mais refinada e especial catinga que conservam nas suas casoilas todos estes moradores; acompanhava-me uma grande cáfila de cafres gritando à roda de mim, que me aconteciam; nas ruas olhava para as janelas, parecia-me tudo gentes doentes, e que havia muito não logravam saúde, todas com as cabeças atadas com lenços brancos, de forma que me obrigou a perguntar se tinha acabado de haver nesta terra alguma epidemia (…).”
Luís dos Santos Vilhena também não tem uma opinião favorável à Colônia: “(…) a morada da pobreza, o berço da preguiça e o teatro dos vícios.” E sobre as causas da pobreza da população:
“Todo o mais povo, à exceção de alguns comerciantes e alguns lavradores aparatosos, como os senhores de engenho, é uma congregação de pobres; pois além de serem muito poucas as artes mecânicas e fábricas em que possam empregar-se, nelas mesmas não o fazem, pelo ócio que professam e conseqüência que daqui pode tirar-se é que infalivelmente são pobríssimas.”
Miséria, preguiça, epidemias, sujeira, clima excessivamente quente, escassez de produtos, além de uma população de má aparência, moral duvidosa e contaminada pela miscigenação com os negros e os índios. Na visão preconceituosa de muitos europeus, a Colônia era assim: um lugar repleto de provações, onde a sobrevivência era difícil e a existência árdua.
- Márcia Pinna Raspanti.
salvadorrugendas
São Salvador, de Johann Morritz Rugendas.

Fonte: Historia Hoje

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