Por Joelza
Falar em avaliação é pensar em prova e na sua elaboração: lista de perguntas e testes sobre o conteúdo trabalhado, valendo “pontos” que, somados, compõem a nota final. Conhecemos esse modelo de prova e fazemos uso dele como instrumento de poder para controlar a disciplina dos alunos. Quem já não ameaçou a turma dizendo “Olha lá, a prova está chegando”, “Se não prestarem atenção, a prova vai ser mais difícil”, “Vou fazer uma prova-relâmpago”, “Vou tirar dois pontos” e outros terrores? É a famigerada avaliação calcada no lema “Prova para reprovar”.
Os pais, por sua vez, entram neste jogo e pressionam os professores a ministrarem conteúdos e provas visando o Enem e os vestibulares. A escola passa a viver em função de provas e exames, de medição objetiva de resultados e do rendimento escolar (entendido como quantidade de informações adquiridas). É a “pedagogia da prova” em oposição à pedagogia do ensino-aprendizagem e da produção do conhecimento que envolve aluno-professor.
Subverte-se assim, o processo educacional colocando a prova como ponto de partida e objetivo final o que deveria ser apenas uma parada para ajustar ou refazer o projeto de ensino-aprendizagem. A prova e o exame tornaram-se uma prática ameaçadora e autoritária que dita conteúdos e metodologias e, pior, excludente pois ignora diferenças de interesses e ritmos de aprendizagem.
A nota da prova é vista, assim, como resultado do desempenho individual do aluno: se alta, é porque ele estudou; se baixa, é porque não estudou ou não prestou atenção nas aulas. É um modelo de avaliação sentencioso e punitivo que não serve para o aluno tomar consciência de seu próprio aprendizado, saber o que está faltando ou não foi bem compreendido.
Vamos reverter essa prática viciosa e pensar na avaliação como instrumento que mede o processo educacional em si, e não somente o resultado quantitativo do ensino. Entender a avaliação como uma oportunidade para rever nossas práticas cotidianas em sala de aula, diagnosticar como o aluno está, ajudá-lo a superar suas dificuldades ou estimulá-lo ir além.
Avaliando em História: o quê e para quê?
Pensar na avaliação em História é refletir, em primeiro lugar, sobre as funções do próprio ensino de História. Ter claro para que serve este ensino permite direcionar o quê deve ser avaliado na disciplina de História. O tema é amplo e possui uma extensa bibliografia especializada mas, de maneira geral, todos concordam que o ensino de História se propõe a:
Transmitir uma memória coletiva revista e ampliada a cada geração. Isso significa que a disciplina além de contemplar o saber acadêmico deve, também, levar em conta a memória dos grupos (em geral transmitida oralmente) e os fatos construídos e veiculados pelos meios de comunicação. Como fazer isso: trabalhando com o aluno as diferentes interpretações sobre o passado.Compreender a história em suas múltiplas temporalidades, isto é, considerar outras experiências históricas no passado e no presente. Como fazer isso: estabelecendo a oposição passado/presente e identificando as relações entre aquilo que permanece e aquilo que muda e percebendo a simultaneidade de sociedades diferentes que habitam o planeta.Compreender as múltiplas causas entrelaçadas de uma situação levando o aluno perceber a relação existente entre sua vida e os acontecimentos do passado e do presente. Para isso, cabe ao professor desconstruir explicações simplificadas, lineares ou deterministas da História.Contribuir para a formação ética e política do cidadão. O professor deve nortear seu fazer pedagógico na pergunta: que atitudes eu quero construir no aluno com esse tema de História? Para isso, a aula deve abrir espaço para combater o racismo, o preconceito e a intolerância, trabalhar a superação das desigualdades, a defesa dos direitos, a consciência dos deveres e a responsabilidade do viver em sociedade.
São esses objetivos que norteiam a avaliação em História. Assim direcionada, a avaliação deixa de ser uma mera cobrança do conteúdo trabalhado para se tornar um instrumento que permite detectar de que forma o saber histórico foi apropriado pelo aluno, que reflexões gerou e que operações intelectuais desenvolveu.
- As operações intelectuais não se limitam às habilidades de pensamento, isto é, às ações do intelecto de identificar, observar, comparar, relacionar, generalizar, sintetizar, conceituar, definir etc., tão presentes nos exercícios propostos nos manuais didáticos. É preciso atentar, também, para outras operações intelectuais importantes no aprendizado de História que são as habilidades de trabalho com fontes e de expressão e comunicação.
- As habilidades de trabalho com fontes referem-se ao domínio de técnicas particulares para manuseio de fontes (documentos, imagens, mapas, gráficos, tabelas e outros) a fim de extrair e processar informações. Essas técnicas possibilitam ao aluno desenvolver a capacidade de organização do estudo. São elas: tomar nota, localizar e selecionar informações, elaborar fichas, resumos, gráficos, tabelas, mapas, quadros sinóticos, cronológicos ou comparativos.
- As habilidades de expressão e comunicação dizem respeito à linguagem escrita, oral e gráfica que permitem expressar o pensamento, favorecendo a construção e reconstrução do conhecimento. São elas: produzir textos, expor oralmente, descrever, relatar, narrar, explicar, justificar, construir esquemas e mapas conceituais.
O desenvolvimento dessas habilidades não se realiza separadamente. Ao contrário, elas interagem, complementam-se e tornam-se gradativamente mais complexas conforme o grupo etário e o desenvolvimento cognitivo do aluno. Devem, portanto, ser constantemente exercitadas e avaliadas durante toda vida escolar.
Sugestões de avaliação em História
Já faz parte da cultura escolar considerar a prova como um recurso para obrigar o aluno a estudar a matéria. No caso da disciplina de História, estudar para a prova significa memorizar o conteúdo e reproduzi-lo na prova. Para quebrar esse vício, muitos professores lançam mão da “cola permitida”. Autorizam os alunos a fazerem anotações em um papel de tamanho delimitado, por exemplo, 10 cm x 10 cm. Neste espaço reduzido, o aluno pode escrever o que quiser e couber. Essa ficha é consultada durante a prova devendo ser entregue ao professor ao final desta. Evita-se, assim, que um aluno mais preguiçoso pegue emprestada a ficha de outro.
A “cola permitida” é uma estratégia interessante pois induz o aluno a sintetizar o conteúdo, selecionando e ordenando informações. Todo esse trabalho acaba resultando em organização, compreensão e retenção do conhecimento, daí que, muitos alunos, afirmarem que nem precisaram usar a cola durante a prova. A consulta da ficha é, também, um recurso válido para acalmar e dar confiança a alunos ansiosos ou inseguros.
Ainda que a “cola permitida” seja um contraponto à memorização, a formulação da prova deve levar em conta outros elementos que possibilitem uma avaliação mais significativa do aprendizado do aluno e, também, uma avaliação do trabalho pedagógico do professor. Apresento abaixo, 8 sugestões de avaliação que promovem a reflexão e o pensamento crítico do aluno.
1. Usar uma notícia atual
O professor apresenta um artigo ou reportagem veiculada por um jornal, revista semanal (como Vejae Isto É), um programa ou noticiário de televisão que aborde um tema estudado em classe. Pode ser um informe sobre o Ramadã dos muçulmanos, a notícia de uma descoberta arqueológica, a restauração ou o atentado de monumento histórico, os debates em torno de um projeto de lei, a comemoração de um evento histórico, a notícia de um movimento de protesto, a entrega do título de terras a quilombolas etc.
Destinadas a um público não especializado, essas matérias têm um caráter informativo o que permite ao professor levantar questões em duas direções: relacionar o passado e o presente e aprofundar o que foi citado pela notícia. Pode-se pedir ao aluno, por exemplo, para reescrever a notícia esclarecendo o que estava superficial, complementando e aprofundando o assunto com o que ele aprendeu na aula.
2. Criar uma entrevista com um personagem histórico
A partir de um texto biográfico, real ou fictício, mas sempre relacionado à temática histórica estudada, pedir ao aluno para formular perguntas ao biografado. Trata-se de um desafio a partir da pergunta: “Se você pudesse viajar no tempo e entrevistar fulano, o que você perguntaria sobre tal acontecimento?”
O aluno deve ser orientado sobre o tipo de pergunta que pode ou não fazer – critérios que, naturalmente, devem respeitar a idade e o desenvolvimento cognitivo do aluno. Espera-se, por exemplo, que um aluno do 9º ano formule perguntas mais elaboradas do que o do 6º ano.
3. Usar documento histórico
O uso de documentos é prática comum no ensino de História mas nem sempre é feito de forma significativa. O documento não deve, por exemplo, servir de ilustração do passado ou prova da verdade, mas instigar questões que promovam uma pedagogia da descoberta.
Uma sugestão é confrontar 2 ou 3 documentos (escrito, visual e gráfico, por exemplo) que levem o aluno a identificar, comparar e relacionar as informações observando concordâncias, contradições, complementos ou lacunas entre eles. A partir daí o aluno deve responder uma questão que leve à construção de um texto que analisa e avalia os documentos apresentados.
4. Elaborar perguntas para um texto
A partir de um texto com 3 ou 5 parágrafos curtos, solicitar aos alunos elaborarem um determinado número de perguntas. O professor marca um tempo para essa tarefa (20 minutos, por exemplo) e, em seguida recolhe as provas e as redistribui solicitando que os alunos respondam as perguntas feitas pelos colegas, usando o texto.
A dificuldade do aluno em entender a pergunta do colega ou em encontrar a resposta correta no texto servirá de parâmetro ao professor para avaliar o trabalho.
É importante orientar a turma sobre o tipo de pergunta que o aluno deve construir e esclarecer que a avaliação levará em conta a clareza e pertinência da pergunta. Construir perguntas exige operações intelectuais e é um bom indicador de avaliação da aprendizagem.
5. Sintetizar um texto em esquema ou em tópicos
Extrair ideias centrais, relacionar elementos e sintetizar são habilidades avaliadas neste tipo de atividade. A partir de um texto, o aluno deve elaborar um esquema (mapa mental ou conceitual) ou uma síntese em tópicos. Para alunos do Fundamental II sugere-se um texto descritivo de um fato histórico (as etapas da Revolução Francesa, os antecedentes da independência do Brasil por exemplo). Para o Ensino Médio, pode-se aplicar um texto mais conceitual que exige domínio de conceitos históricos.
O professor deve esclarecer que não se trata de um resumo. Convém trabalhar esse tipo de atividade em aulas anteriores para que os alunos tenham referência do que se espera que façam.
6. Reescrever o teste
Essa é uma avaliação que, a princípio parece fácil mas, na verdade, exige dos alunos muito conhecimento da matéria. A prova é composta de testes de múltipla escolha em que o aluno deve, inicialmente, identificar a alternativa correta. Em seguida, ele deve explicar, corrigir e reescrever as demais alternativas e é neste momento que ele vai precisar demonstrar sua aprendizagem e associar seus argumentos espontâneos aos conteúdos trabalhados.
Este tipo de avaliação é demorado e, por isso, sugere-se a aplicação de, no máximo, 5 testes com 5 alternativas cada o que significa, ao final, 20 frases para serem avaliadas, corrigidas e reelaboradas.
7. Revolver um problema, com consulta
A proposta aqui é avaliar a partir de um problema que leve o aluno a questionar, a problematizar a realidade que nos cerca. A partir de uma questão-problema, que pode estar sob a forma de um pequeno texto, o aluno deve encontrar respostas que mobilizem o conhecimento aprendido e o induz a pesquisar na bibliografia disponibilizada pelo professor. Importante é gerar uma reflexão e contribuir para que os alunos sejam conduzidos de forma mais ou menos autônoma a uma operação intelectual.
A bibliografia para consulta pode incluir o livro didático, mas o trabalho será mais proveitoso se o professor levar para classe obras de referência. Neste caso, os dicionários e enciclopédias temáticas serão de grande valia. Sugestão:
- AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
- BITTENCOURT, Circe (org.). Dicionário de datas da História do Brasil. São Paulo: Contexto, 2007.
- BURGUIÈRE, André. Dicionário das Ciências Históricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993.
- ELIADE, Mircea e COULIANO, Ioan P. Dicionário das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
- GRIMAL, Pierre. Dicionário de mitologia grega e romana. Rio de Janeiro: Bretrand Brasil 1993.
- GUIMARÃES, Ruth. Dicionário da mitologia grega. São Paulo: Cultrix, 1995.
- LOPES, Nei (org.) Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.
- SCHUMAHER, Schuma e BRAZIL, Érico Vital (orgs). Dicionário Mulheres do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
- SILVA, K. Vanderlei e SILVA, M. Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2005.
- VAINFAS, Ronaldo e BASTOS, Lucia (org.). Dicionário do Brasil Joanino (1808-1821). Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
- _______. Dicionário do Brasil colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
- _______. Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
8. Pergunta surpresa
Trata-se de uma pergunta final que permite ao professor fazer uma sondagem sobre o estudo do aluno, como por exemplo: “Que tema você estudou e não caiu na prova?”, “Que perguntas você gostaria de ver nesta prova?”, “Fale sobre o assunto que você mais gostou de estudar neste bimestre”.
Essas questões abrem o diálogo pedagógico com o aluno, denotam respeito ao seu aprendizado e fornecem informações valiosas para o professor avaliar o seu trabalho e corrigir rumos.
Fonte: Ensinar História
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