sexta-feira, 17 de abril de 2015

Fenícios no Brasil?


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Por Me. Cláudio Fernandes
Quando se estuda Idade Antiga, a civilização fenícia possui muito destaque, sobretudo quando se trata das guerras que os romanos promoveram contra Cartago (Guerras Púnicas), a principal cidade construída pelos fenícios, situada no Noroeste da África. Além disso, a criação do primeiro alfabeto – as famosas inscrições fenícias – e as intensas rotas de comércio marítimo destacam ainda mais a importância dessa civilização.
Contudo, em alguns momentos da história aparecem recorrentemente algumas teorias mirabolantes relacionadas a essas antigas civilizações. Uma delas refere-se especificamente aos fenícios, ou melhor: a indícios da presença dos fenícios no Brasil. Essa teoria é fruto de uma conjunção de fatores que leva em conta: lendas europeias antigas, anteriores à descoberta do Brasil, e os achados arqueológicos em terras brasileiras, que só seriam satisfatoriamente explicados a partir do avanço dos estudos arqueológicos no século XX.
O imaginário europeu anterior às grandes navegações dos séculos XV e XVI, e do consequente descobrimento do continente americano, concebia uma série de lendas a respeito de civilizações perdidas e de grandes aventuras além mar, isto é, incursões marítimas através do Oceano Atlântico, até então pouco explorado. A história da ilha perdida de Atlântida é a mais famosa dessas lendas.
Os fenícios eram exímios comerciantes marítimos e haviam conseguido estabelecer rotas por praticamente todo o mar mediterrâneo. Por esse motivo, os europeus imaginaram a mítica fundação de uma colônia fenícia numa ilha do Atlântico – não havia a perspectiva de que pudesse existir um continente além mar. Essa ilha faria parte de regiões desconhecidas desde a época do dilúvio, relatado pelo Gênesis.
Após o descobrimento do Brasil e o processo de colonização, os primeiros estudiosos europeus que fizeram expedições pelo sertão nordestino se depararam com achados arqueológicos bastante impressionantes, sobretudo inscrições e pinturas rupestres. As mais famosas destas inscrições rupestres são as itacoatiaras (“pinturas em pedra”, em tupi-guarani) de Ingá, no estado da Paraíba.


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As inscrições rupestres nas rochas de Ingá, na Paraíba, contribuíram indiretamente para a lenda da presença nos fenícios no Brasil.

Segundo informações da arqueóloga Gabriela Martin, em sua obra Pré-História do Nordeste do Brasil, as inscrições rupestres de Ingá se “converteram”, na segunda metade do século XIX, em inscrições fenícias. Isso se deu, em parte, porque a grande autoridade em arqueologia no Brasil naquela época, Ladislau Netto, acreditou que isso pudesse ser verdade. Netto teve contato com uma suposta transcrição de inscrições fenícias que teriam sido encontradas por alguém chamado Joaquim Alves da Costa, no município de Pouso Alto, no vale do Paraíba, e enviadas ao Marquês de Sapucaí, diretor do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) na época.
Sabe-se hoje que o município de Pouso Alto e Joaquim Alves da Costa jamais existiram e que as supostas inscrições fenícias eram, na verdade, as itacoatiaras de Ingá, referidas acima. Provavelmente alguém que conhecia o Marquês de Sapucaí e Ladislau Netto lhes enviou a transcrição de um texto fenício qualquer, sugerindo, de má-fé, que tivesse sido encontrado em rochas da Paraíba. Ladislau Netto havia estudado na Europa e foi aluno do grande arqueólogo Ernest Renan, especialista em arqueologia fenícia, o que dava ainda mais credibilidade à história da presença dos fenícios no Brasil. Entretanto, em 1875, num artigo intitulado “Inscrição Phenicia”, L. Netto admitiu que tinha sido vítima de uma fraude e reconhecia que não havia provas concretas sobre a presença de fenícios no Brasil.
Ainda segundo Gabriela Martin, outra personalidade que contribuiu para a lenda da presença dos fenícios no Brasil foi Ludwing Schwennhagen. Schwennhagen era austríaco e tinha um interesse excêntrico pelas pinturas rupestres e pelas estruturas dos achados arqueológicos no Nordeste do Brasil. Esteve no Brasil nas décadas de 1910 e 1920, dando aulas e viajando pelo sertão. Esse pesquisador austríaco unia métodos de arqueologia com as fantasias de lendas antigas, como a lenda das Sete Cidades (uma lenda que surgia na Península Ibérica, na Idade Média, por volta do século VIII, que versava sobre a vigem do último rei dos Visigodos para fundar uma civilização no além-mar, conhecida como Sete Cidades) e a lenda da cidade mítica de Tutoia, no vale do Paraíba. Nesta última, segundo Schwennhagen, os fenícios teriam se unido a troianos e construído várias cidades, dentre as quais, a mais importante: Tutoia.
Essas histórias fantasiosas só foram possíveis, em grande parte, por conta da falta de sofisticação das técnicas de datação arqueológica, que só em meados do século XX seriam desenvolvidas e aqui aplicadas. Mas, como se percebe com as informações acima, as lendas antigas, motivadas pelo mistério gerado pela imensidão do Oceano Atlântico, anterior à descoberta da América, também contribuíram para que o imaginário ficasse por um bom tempo ocupando o lugar das explicações mais rigorosas.



* Créditos de imagem:

Fonte: História do Mundo.

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