sexta-feira, 17 de abril de 2015

História da Serra do Evaristo – Baturité/Ceará.




Serra do Evaristo é uma comunidade localizada há 12 quilômetros da sede do Município de Baturité no Estado do Ceará, há cerca de 85 quilômetros de Fortaleza.  

Primeiras Famílias.

Segundo o que passaram alguns moradores, como a dona Naide, o seu esposo, o Sr. Manoel e o simpático Sr. Tico (Francisco), seriam cinco principais famílias que constituem o berço da atual comunidade do Evaristo, os “Bentos”, os “Soares”, os “Venâncios”, os “Juliões” e os “Leandros”. Muitos afirmam que as terras de todas as famílias são herança familiar, o que aumenta a hipótese de que sejam remanescentes de culturas negras nascidas em formato de Quilombos. Perde-se no tempo como as cinco principais famílias chegaram ao Evaristo.

Religião.

Muitos nos falaram sobre a relação, pelo menos nos últimos 100 anos, da comunidade com a religião. Contam que antes de existirem igrejas, a comunidade se reunia nas casas dos moradores, isso até a criação de um salão da comunidade, que mais tarde tornou-se a atual capela. Já os padres, só subiam a serra (isso em cavalos ou jumento) para realizar “bênção final” de pessoas moribundas.

Por que “Serra do Evaristo”?

Para muitos, a explicação para o nome do lugar ser Serra do Evaristo, estaria ligada a um morador antigo, provavelmente um índio, segundo contavam os pais, avós e outros encentrais de muitos moradores. Evaristo seria uma espécie de “mártir” local, figura indígena, guerreiro de tribo ou cacique, que lutou contra a exploração vinda da aristocracia da região de Baturité, em nome da comunidade e que abrigou os primeiros negros que chegavam ao local.

Transporte:

Todo o transporte de alimento da serra para a cidade e da cidade para a serra era realizado poucas vezes em animais e na maior parte das vezes no ombro das pessoas.

Para se casar, os moradores saiam em procissão a pé até Baturité. O vestido da noiva era levado em um baú, para não ser sujo por barro.

Segundo os moradores, os mortos ou doentes da Serra do Evaristo eram levados a pé pela população até Baturité, embalados em redes, transportados nos ombros dos homens da família do falecido ou doente.  

Trabalho:

Dona Naide nossa entrevistada conta que homens e mulheres trabalham na roça, sendo que algumas dessas mulheres, todas muito pobres, vendiam seu trabalho em troca de roupa ou “moda” na linguagem dos primeiros moradores. Para se divertir, restavam pouco tempo, sendo a peteca de palha a brincadeira “oficial” ou que acessava a infância de muitos.

A pobreza dos roceiros era tamanha, que muitos faziam dos sacos de farinha roupas de trabalho no campo.

Por muito tempo plantou-se, antes da cultura predominante da banana, algodão, mandioca, urucum, milho e feijão, nesta ordem de importância. Houve também o plantio de café, onde a comunidade acompanhou o crescimento da procura pela cultura no século XX.

Secas:

Em um dos piores momentos lembrados pelos anciões da Serra do Evaristo, os jovens conheceram a história da seca de 1958, a pior para a comunidade. Segundo contam, recorreram aos céus, através da dança de São Gonçalo para superar a falta de água. Até o Governo Federal, em sua ação contra as secas no Nordeste, em 1958, na vizinhança do Evaristo, a chamada Oiticica (terra plana), trouxe aviões para abastecer as comunidades vítimas da seca. Era o chamado “Campo de Aviação”, política do governo que acompanhou a construção da Estrada de Ferro de Baturité, segundo as vozes dos mais velhos.

O açude da Oiticica, importantíssimo e oportunizado após a citada escassez de água, foi construído manualmente pelas comunidades adjacentes, pelos braços de homens e mulheres também do Evaristo.

Dança de São Gonçalo:

A Dança de São Gonçalo, recorrentemente lembrada pelos novos e velhos. Foi trazido ou mantido pela família dos Juliões. Sempre foi lembrado em períodos escassos de água em fontes naturais e artificiais. Como contam muitos dos moradores, a história da dança de São Gonçalo teria surgido numa oportunidade de falta de água, onde o santo, ao som de rabeca , ao redor de um poço, colocou moças para dançarem. Desde então, a dança é repetida ao som de instrumentos musicais populares como rabeca e sanfona e dançada por mulheres, É o santo que recebe mais promessas na comunidade, com pedidos voltados para todo tipo de graça. Entretanto, Dona Marinete (Amélia), uma das moradoras mais velhas, de 87 anos, já muito cansada e com problemas motores, dá outra versão para o surgimento da manifestação religiosa. A Dança teria surgido para retirar mulheres da prostituição. Segundo a entrevistada, as chamadas “mulheres perdidas” tiveram um encontro com um homem, que seria o São Gonçalo, que lhes ensinou a dança, tocando um instrumento musical e desde então retirando-as da prostituição. Para ela, essa seria a justificativa de as mulheres serem as envolvidas principalmente na manifestação e os homens sempre na função de instrumentistas, que dão o tom do arrasta-pé sagrado. Dona Marinete conheceu a dança desde que se entende por gente.

Já em 1932, o Macaco (fonte de água natural do Evaristo) secou dançaram neste ano o São Gonçalo. Segundo o agricultor e morador Sr. Tico, nunca mais o lugar secou. O nome “Macaco” foi dado a fonte pelo fato de seu descobridor ter sido um senhor de apelido macaco.

Derretido:

Em 1964 houve um derretido (deslizamento de terra), que obrigou muitas famílias mudarem de lugar na comunidade, causando a perda de muitos espaços de plantação.

Tradições:

É muito interessante o registro da tradição antiga de respeito a moral local de casar as moças após estas serem pedidas em casamento às famílias pelos noivos. Manifestações que a maior parte dos idosos lembra atrelados ao fato de haver um protecionismo vinculado à comunidade. Ficou claro para nós e para os demais jovens que acompanhavam a iniciativa que os pais e mais velhos indicavam que filhas e filhos deveriam procurar casamento junto a pessoas da comunidade, preferencialmente, um traço que revela que o Evaristo contém traços quilombolas, um aspecto muito valorizado entre os remanescentes de quilombo, em períodos de afirmação ou até hoje.

Os depoimentos nos levam a supor que a história de ocupação negra na Serra do Evaristo tem mais de 250 anos, pois pessoas com mais de 80 anos,  na maioria, revelam que pais, avós, e até bisavós foram criados e nascidos na comunidade. Essa informação nos revela que a comunidade foi ocupada no momento de transformação de negros cearenses para redutos, como os quilombos, no processo de fuga da escravidão.

O reisado também foi por muito tempo um dos elementos mais tradicionais da Serra, o Sr. Tico, era conhecido como Papangu, onde o mesmo fazia a encenação e procissão do reisado. Os brincantes vestiam máscaras que representavam figuras como velhos, feiticeiros, animais e demais figuras do folclore local. O destaque era que estes protagonistas com o disfarce brincavam com as pessoas da comunidade, e a magia ficava em torno da não descoberta de quem protagonizava as peças feitas com os demais.

Outro ponto relevante foi a importância dada aos novenários comunitários. Segundo Feliciana, que era parteira e mestra de São Gonçalo e líder do novenário em latim, era o principal representante das tradições no Evaristo. Antes dela, somente o avô do Sr Tico, o Sr. Manoel Soares de Castro, também rezava em latim. Destaque para o novenário de Nossa Senhora da Conceição, também muito cultuada na comunidade.

Contrariando a afirmação de que os mais velhos seriam os depoentes dessa pesquisa, encontramos fitas gravadas há quase 15 anos, com o então morador mais antigo da Serra do Evaristo: o Sr. José Soares. Seu José, como era conhecido, disse na gravação que a Academia Virtual de História teve acesso, que o Sr. Manoel Soares de Castro, o Sr. Ato Bento da Silva e a Dona Maria Lia da Conceição são para ele os moradores mais antigos, patriarcas do Evaristo.

A diversão era o forró, ao som da gaita, da pia, da itaquara e da sanfona, em forma de quadrilha. As novenas eram na casa de cada pessoa da comunidade, antes da capela e do salão comunitário existirem, sendo elas em culto a São João, Nossa Senhora da Conceição, aos santos do mês de maio, São Gonçalo,  Santo Antônio e a São José. Afirmava o Sr, José Soares no arquivo em áudio: “Quando não existia igreja tinha festejo muito belo, muito mais que agora (...)”.

Dramas:

Outro aspecto de bastante relevância na comunidade e alvo lembrança para os próprios são as chamadas “Dramas”, espécie de encenação, cantoria, ou dança, que explorava alguma manifestação comum ou popular. Segundo eles, Belendina Jerônimo, trouxe a tradição para o Evaristo. A encenação de “Dramas” para a comunidade, muitas vezes musicadas, tornou-se, por algum tempo, um dos destaques, recorrentes entre eles, que trabalhavam aspectos da cultura camponesa, da vida domésticas de mulheres do campo e a relação com a terra.

Modernização:

Tico Soares, de 89 anos, nos relatou que Osmar Marinho, então prefeito de Baturité, construiu a estrada da comunidade à mão, junto com a população. Um caso muito emblemático e de orgulho dos moradores do Evaristo, que sempre pleitearam um real acesso a comunidade. Contou-nos também que a energia chegou na comunidade só nos anos 1980.

Cemitério Indígena?

A Serra do Evaristo, nas imediações da Igreja, em sua faixa de terras central, guarda um importante elemento. Há anos, sempre que os moradores realizavam, na circunvizinhança citada, uma obra, uma escavação de poço artesiano ou qualquer outra atividade que mexesse com a terra, encontram supostas “urnas funerárias”, em formato de pote, sendo que as mais preservadas, contêm restos mortais (ossos) humanos.

Recentemente, o assunto voltou à pauta na comunidade, em função da passagem de um trator nas irradiações da Igreja local para a disponibilização de um terreno dedicado ao futebol, que fez eclodir mais urnas funerárias.

Nas entrevistas, tentamos interrogar as pessoas idosas a respeito deste caso, na tentativa de entender a origem disso tudo. Quase todos citaram, sendo Sr. Tico um dos mais enfáticos, que pais e outros ancestrais  contavam que os potes que surgiram na comunidade eram da época dos índios, que enterraram seus corpos nestes. Disseram que Maria Sales, mãe de Maria Feliciana, da família Venâncio, já no passado explica o caso.

Movimento de libertação dos trabalhadores rurais:

Entre o final da década de 1980/1990 ocorreram diversos movimentos sociais que levaram a comunidade a lutar pela superação de pobreza e falta de condições de subsistência na localidade. Um destaque deste processo foi a adesão da comunidade ao levante conhecido como arrastão, uma espécie de reivindicação, que contou com grande saque aos comerciantes de Baturité  em 1993, organizado pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em Baturité.

Outro relevante movimento foi acampar em 1995 e 1996, em frente a Sede da Secretária do Desenvolvimento Agrário – SDA em Fortaleza, que contou com a participação também do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e do Movimento Progressista da Igreja Católica. Os moradores do Evaristo reivindicaram frentes de serviços, para dar condições de trabalho aos agricultores locais, junto com outras comunidades consegui através de Projetos de Assentamento, uma fazenda na comunidade jardim, que atualmente vive dezenas de famílias assentadas. Mas a luta não para por aí a comunidade do Evaristo, ainda consegui junto a organização social Manus Unidos (ligada à União Europeia), um recurso financeiro que possibilitou a compra da fazenda Nova Passagem, hoje fazenda Manus Kolping, que pertence a comunidade do Evaristo. E essa luta não para, ainda se tem entre os jovens esse espirito de luta, através de debates e reivindicações. Os mais velhos contam que tudo na comunidade só veio melhorar de 20/30 anos pra cá. A situação de pobreza sempre foi uma realidade para os moradores da Serra do Evaristo.



Sede da Comunidade.



Igreja da Serra do Evaristo.



Pedra Aguda e Serra da Tamanca em Aracoiaba, vista da Serra do Evaristo - Baturité.



Local onde foram encontrados diversas urnas funerárias.



Sob a Igreja local onde foram encontrados alguns vestígios arqueológicos.  
Serra do Evaristo - Baturité.



Cidade de Baturité vista da Serra de Baturité.



Texto: de Rafael Mesquita (Instituto de Juventude Contemporânea – IJC) com complementos e adaptações do historiador Artur Ricardo.

Fotos dos arquivos de Artur Ricardo.




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