segunda-feira, 27 de abril de 2015

Arquivos Secretos do Vaticano.


Entramos no labirinto com 43 quilômetros de prateleiras onde estão milhões de documentos que contam a história da humanidade. Saiba como é o bunker que guarda as relíquias da igreja católica.



Por: Marco Merola, de Roma. - Publicado em 18.04.2013.
Foto: Marco Ansaloni .

Mal o papa Bento XVI havia renunciado ao posto de líder máximo da Igreja Católica e o mundo já especulava os motivos que o teriam levado a tomar tal decisão. Apesar de Joseph Ratzinger, 85 anos, ter afirmado que deixava o comando da Cúria Romana por “falta de vigor em função da idade avançada”, a imprensa mundial relatava uma guerra interna de poder entre os principais cardeais do Vaticano. A verdadeira história por trás do jogo que derrubou o papa dificilmente será trazida à luz nos próximos anos. Quiçá, dentro de algumas décadas. Uma coisa, porém, é fato: essa história ficará muito bem guardada no subsolo do Cortile della Pigna, o pátio do Museu do Vaticano que leva à imponente Capela Sistina. Ali, a alguns metros de profundidade, se encontra o Arquivo Secreto do Vaticano, ao qual Status teve acesso com exclusividade. O “bunker”, como é chamado pelas pouquíssimas pessoas autorizadas a adentrá-lo, é um cubo de concreto armado que protege tesouros de valor inestimável: pastas, livros de nobres famílias romanas, registros papais, correspondências diplomáticas e documentos do Tribunal Eclesiástico – milhões de informações e datas, nomes e registros repletos de histórias sobre papas, batalhas, descobertas geográficas que mudaram o mundo e as transformações de católicos fervorosos e hereges perigosos. O Arquivo é um compêndio dos últimos oito séculos da história do mundo e é para lá que os verdadeiros relatos sobre a renúncia de Bento XVI deverão ser enviados. “O Arquivo abriga 43 quilômetros de prateleiras”, diz Antonio del Brocco, um jovem funcionário do Arquivo designado pelo prefeito, o monsenhor Sergio Pagano, para ser o nosso guia.
Del Brocco veste um impecável terno azul. Ele troca cumprimentos afetuosos com todos que encontra, incluindo um jovem de sua idade usando uma camisa e segurando uma vassoura. “Hoje é a vez dele. Alguns dias atrás, a tarefa de limpeza era minha.” O aprendizado é árduo, assim não é de se admirar que haja tamanho senso de camaradagem. “Às vezes trabalho como assistente na Sala de Consulta. Isso é o que eu adoraria fazer.” Del Brocco e seus colegas que se formaram pela Escola dos Arquivos do Vaticano, que faz parte do próprio Arquivo, atendem solicitações de estudiosos por documentos. Eles anotam o número do livro em um formulário e depois seguem para o bunker ou outras áreas do edifício onde os documentos originais são conservados. Eles só retornam quando encontram o que estão procurando. Nem todos, é verdade, são divulgados.
Às sete horas da manhã o lugar já está fervilhando. Dezenas de volumes retirados para consulta no dia anterior estão sendo devolvidos para armazenamento e reordenação. Todos que trabalham ali já presentes: o prefeito e o vice-prefeito, padre Marcel Chappin, um jesuíta holandês, estão em seus escritórios. Em uma hora, pesquisadores começarão a chegar pela Porta SantAnna (uma das entradas para o Vaticano) para sentar em suas mesas e aproveitar ao máximo a parte da manhã. Apenas alguns desses pesquisadores terão o privilégio de voltar para a sessão da tarde. Problemas de pessoal… “Só para se ter uma ideia, a Biblioteca do Vaticano [que está em frente ao Arquivo, do outro lado do pátio] tem cerca de 90 membros permanentes na equipe. Nós temos 54. O acervo deles é estável, enquanto que aqui chegam novos materiais o tempo todo, o que significa trabalho adicional para todos,” reclama o monsenhor Pagano.
A cada 35 cinco anos, as nunciaturas apostólicas – embaixadas da Santa Sé ao redor do mundo – enviam toda a documentação que eles acumularam para Roma. Outros materiais chegam da Cúria Romana, congregações, tribunais e escritórios: uma assustadora montanha de papel para adicionar ao arquivo existente. Uma coisa com a qual o Arquivo não precisa mais se preocupar são documentos de influentes famílias. Antigamente, os Borghese, os Rospigliosi ou os Boncompagni-Ludovisi podiam doar seus arquivos para o Vaticano. Desde a Segunda Guerra Mundial, o governo italiano tem conservado o seu próprio patrimônio documental e alegado posse de direito sob lei territorial.


O começo de tudo
A história oficial do Arquivo Secreto do Vaticano começa em 1612, ano em que foi fundado pelo papa Paulo V (1605-1621). Sua história não oficial remonta a um passado ainda mais distante, o que pode ser comprovado pelos papéis amarelados espalhados à frente do prefeito: são pedidos de pessoas que, já em 1500, escreveram ao papa solicitando documentos. Archivum Secretum significa Arquivos Privados, que pertencem exclusivamente ao papa. “Olhe isso. É um pedido de um membro da família Cenci, que foi a julgamento e precisava de uma escritura pública para limpar seu nome. Infelizmente, foi-lhe dito que o documento havia sido extraviado. Sempre que possível, o Arquivo enviava cópias de tudo. Nunca foi uma entidade morta, sempre foi uma instituição ativa.”

A Igreja sempre sentiu uma forte necessidade de preservar a sua história, desde que sua existência era ameaçada por perseguições. Após a legalização do cristianismo pelo Édito de Constantino, em 313 D.C., códices litúrgicos e documentos legais começaram a ser armazenados nos chamados sacra scrinia. Nenhum desses materiais sobreviveu até os dias de hoje; conquistas, pilhagens e incêndios limparam a memória de eras históricas inteiras. Assim, os mais antigos documentos no Arquivo Secreto são dos séculos VIII e IX. Liber diurnus romanorum pontificum é o mais antigo livro de formulações eclesiásticas; em seguida, um pergaminho do ano 809 declara uma doação para uma igreja em Verona. Esse documento faz parte do “Acervo de Veneto” que sozinho totaliza aproximadamente 17 mil pergaminhos: uma simples gota no oceano comparado ao grande número de papéis ainda a ser estudado. “Temos mais de 650 acervos aqui, e novos documentos chegam o tempo todo” explica o secretário-geral Luca Carboni. “A secretaria de João Paulo II (1978-2005) nos enviou um arquivo com 15 mil ‘envelopes’ [nome usado internamente pelo Arquivo para pastas]. Com uma média de 500 páginas por envelope, ou seja, um total de 15 milhões de páginas, tudo tem que ser aberto, carimbado, guardado em capas protetoras e minimamente catalogado. Ainda precisamos reclassificar alguns de nossos acervos desde a Idade Média…”
Cavaleiros templários
Após explorar o bunker e as salas climatizadas onde estão guardados os mais valiosos pergaminhos, é viajar pela história e buscar relatos de testemunhas oculares dos acontecimentos e personagens que nem sempre são apresentados nos livros de história. “Você tem alguma preferência?”, pergunta Carboni. “O principal é nos avisar com antecedência, pois temos que localizar os papéis.” Podemos reduzir nosso escopo para dois períodos: entre os séculos XII e XIV e entre os séculos XVI e XVII. Após restringir ainda mais os tópicos, as instruções são emitidas. Leva apenas algumas horas para reunir tudo. Um carrinho rangendo sob o peso dos rolos de papel e livros nos espera na semiescuridão, empurrado pelas mãos de especialistas. O prefeito abre os documentos sobre um atril, um por um. Lendo cartas que seriam incompreensíveis para qualquer outra pessoa, ele começa a entoar: “O marquês de Santa Croce me disse ontem que ele havia sido informado pela Inglaterra que a rainha está preparando 50 navios, cada um com cinco mil soldados a bordo, e que essa armada estaria levando um corsário inglês chamado Drach…” Neste documento de 1585, o núncio apostólico em Lisboa alerta o papa que Francis Drake é uma ameaça aos navios que viajam na rota portuguesa.

Em outro documento, de alguns anos antes, no Acervo de Borghese, nos deparamos com um “relatório sobre o dia dos confrontos entre o Exército turco e o Exército cristão neste dia, 7 de outubro de 1571, elaborado pelo comodoro Romagasso”. É um relatório de campo de batalha, ao vivo da famosa Batalha de Lepanto, entre cristãos e otomanos. Viajando ainda mais no tempo, monsenhor Pagano abre dois pergaminhos ainda mais antigos e valiosos. O primeiro é de 1198 e está catalogado como “Inocêncio III (1198-1216) declara uma Cruzada”; o outro é a escritura em que, em 2 de maio de 1312, Clemente V (1305-1314) transferiu os bens da Ordem dos Templários aos Cavaleiros Hospitalares de São João de Jerusalém, mais conhecidos atualmente como a Ordem de Malta. E ainda temos bastante tempo para ler sobre a morte de Caravaggio, em uma carta enviada pelo bispo de Caserta ao cardeal Scipione Borghese, em 29 de julho de 1610.
Tudo no arquivo pode ser privado, mas nada é desconhecido. Claro que, como todos os arquivos de governos em todo o mundo, documentos são disponibilizados somente após um certo período. O Vaticano trabalha por pontificados: os papéis estão liberados para consulta até o reinado de Pio XI, ou seja, até fevereiro de 1939. O polêmico pontificado de Pio XII – os anos da Segunda Guerra Mundial, o Shoah, o início da Guerra Fria – ainda são confidenciais. “Estamos organizando esses documentos,” explica o prefeito. “Fizemos até 1948/1949. Levará ao menos mais três anos para analisar tudo. É preciso paciência.” Contudo, alguns papéis – por exemplo, aqueles que poderiam ser úteis para encontrar pessoas desaparecidas, ou pessoas que haviam encontrado abrigo na Igreja durante a guerra – já não são confidenciais. E, mais recentemente, o papa Paulo VI (1963-1978) determinou que todos os documentos do Concílio Vaticano II (1962-65) estivessem acessíveis ao público desde o início.




 Pergaminhos costurados
Como trabalha um arquivista? Giuseppe Lo Bianco, por exemplo, está requisitando documentos da Nunciatura de Varsóvia, anos 1921-1939. Seu escritório, no segundo piso principal do Arquivo, um dos mais antigos do edifício, consiste em uma simples mesa cercada por armários de madeira dos anos 1700 que vão do chão ao teto. Placas de identificação na parte superior dos armários anunciam seu conteúdo: “Espanha”, “Portugal”, “Malta”, “Lucerna” e “Polônia”. Cada um contém a correspondência entre a Santa Sé e suas nunciaturas. Uma palavra se repete nos papéis espalhados sobre sua mesa: “Rússia”. “Naturalmente, aqueles eram os anos logo após a revolução bolchevique, quando começaram as hostilidades e a perseguição contra bispos. Encontrei vários arquivos sobre clérigos”. Quando a pesquisa estiver concluída, os documentos estarão disponíveis para consulta.
É hora para outro passeio no elevador do Arquivo Secreto, que é bastante apertado, mesmo equipado com uma relaxante iluminação azul, o que levou as pessoas que trabalham aqui a apelidá-lo de “nave espacial”. À medida que ele desce para os níveis inferiores, sentimos como se estivéssemos realmente viajando no tempo. Estamos voltando à época dos templários. Sim, eles novamente, embora isso já fosse esperado, pois – para eles – aqui é o lar. Alessandro Rubechini e Maurizio Vinelli são dois restauradores especializados. Um deles segura a borda de um enorme rolo de pergaminho com extremo cuidado; o outro traz mais uma lâmpada UV para identificar a tinta agora desbotada, perdida em meio a um mofo secular. É preciso ter nervos de aço para fazer esse trabalho. O documento é único em qualquer lugar do mundo: relatórios do julgamento da Ordem dos Templários, realizado pelo Estado Papal entre 1308 e 1310. Oito pergaminhos foram costurados uns aos outros para ficar com 56 metros de comprimento.
Como muitos documentos estão em situação precária por conta dos séculos, eles são digitalizados por especialistas.

Eles têm usado uma pátina de cor violeta para impedir a colonização por bactérias. Eles também aproveitaram para verificar o estado dos reparos aplicados a furos encontrados em épocas anteriores. Vinelli explica: “Este trabalho foi realizado há 50 anos. Nossos predecessores usaram um tipo de pergaminho que é incompatível com o original, tanto em termos de tipo quanto de espessura. Como resultado, isso criou tensões no documento que podem causar rasgos.” Este rolo, ao que parece, está sob observação especial. Do outro lado da porta há outra grande oficina, onde trabalha Luca Becchetti. Ele é especialista em sigilografia, a ciência dos selos. Ele trabalha sozinho, sem assistentes ou colaboradores. Sua paixão foi incutida por seu pai, que administrou esse departamento durante anos. Dezenas de selos de cera, chumbo e papel estão espalhadas por duas mesas para que Becchetti possa estudá-los e compará-los. Uma vez terminado, ele lançará as informações em um banco de dados do computador que já contém dez mil registros. Becchetti se esforça para remover minúsculas impurezas de capacetes, mantas e muletas incrustadas nos selos. “Os selos mais delicados são feitos de cera virgem, que tende a desidratar e desintegrar. Quanto a selos de chumbo, quando são armazenados durante anos nas gavetas de madeira ou papelão, eles passam por um processo conhecido como carbonatação, que pode lentamente deixá-los quebradiços. É o meu trabalho identificar problemas e resolvê-los sem afetar de forma alguma detalhes iconográficos.”
Uma das recentes descobertas de Becchetti é uma ordem de pagamento que o papa Paulo III (1534-1549) emitiu para Benvenuto Cellini, o melhor joalheiro da Renascença, por gravar o seu molde de selo papal (pro manifactura plumbi apostolici). Essa pequena revelação histórica confirmou que mesmo os grandes mestres não eram avessos a experimentar a arte dos selos. Um dos espaços mais bem protegidos do Arquivo é o cofre subterrâneo onde os selos de ouro enviados ao Vaticano pelos soberanos de toda a Europa são preservados. “Como você verá, estas são cópias únicas em relevo”, continua o restaurador à medida que tira de uma gaveta um pergaminho datado de 1o de outubro de 1555, que leva um selo com a coroa de Felipe II, rei da Espanha. Ele pesa 800 gramas: “É feito de ouro roubado dos incas por Francisco Pizarro”. Becchetti lê os selos com incrível facilidade e, dependendo de como eles estão afixados, pode dizer se os documentos são autênticos ou falsos. Ele é um dos poucos mestres em sua disciplina: “Na Itália, sigilografia só é ensinada em três ou quatro universidades. E, claro, no Vaticano.”
“O papa Leão XIII (1878-1903) nos ensinou a importância de estudos históricos quando, em 1881, decidiu abrir o Arquivo para pesquisadores de todo o mundo”, diz Carboni. “E, três anos mais tarde, ele criou a nossa escola de diplomacia, paleografia e arquivística. Inicialmente, a escola só aceitava clérigos, mas hoje muitos dos estudantes são leigos.” A cada ano, 72 alunos fazem o curso básico de arquivística com duração de um ano, divididos em duas turmas. A grande maioria é formada por mulheres. Os candidatos ao curso devem ter, além de um diploma em qualquer assunto, uma carta de apresentação de um professor universitário ou um prelado. A sala de aula do curso está equipada com a mais recente parafernália digital. Os alunos começam a familiarizar-se com documentos antigos em telas de computador da estação de trabalho. “Eles estão ansiosos, pois na primeira aula recebem um documento em língua vernácula. Eles logo percebem que lhes oferecemos uma oportunidade para praticar em documentos que não estão disponíveis em nenhum outro arquivo do planeta. Acredite, todos saem deste curso capazes de ler perfeitamente.”
Todos os anos, os 15 melhores alunos do curso recebem ofertas de estágios no Arquivo Secreto. Neste momento, não há vagas disponíveis em tempo integral; a crise econômica global também está afetando o Vaticano. “Não teríamos como pagar novos funcionários para o arquivo. Nossa receita é praticamente zero, exceto merchandising e a venda de suvenires para turistas [Apenas nas três salas abertas ao público no primeiro piso, que serve como entrada para o salão Sistina no Museu do Vaticano]”, diz o prefeito. “Conseguimos alguns recursos a mais com cópias digitais e fotocópias de documentos que produzimos para os pesquisadores, mas, além disso, o serviço que oferecemos é totalmente gratuito.” Além de ajudar pesquisadores que viajam a Roma, todos os dias o Arquivo processa dezenas de e-mails e cartas contendo todos os tipos de solicitações. “O filme de Dan Brown, Anjos e demônios, realmente elevou a nossa carga de trabalho”, brinca Marco Grilli, secretário do prefeito. “Recebemos centenas de pedidos de visitas de pessoas que pensam que vão descobrir sabe-se lá quais segredos.”
Santo Graal
Ano após ano, os pedidos mais populares continuam a ser sobre o Santo Graal e os templários, com algumas variações interessantes. “Aqui está um que acaba de chegar. ‘Eu gostaria de saber sobre as cartas de Pôncio Pilatos sobre o julgamento de Jesus.’” Esse tipo de solicitação provoca risos por aqui. “Outras pessoas nos escrevem, pois querem agendar uma audiência com o Papa; algumas nos escrevem para nos insultar por causa do escândalo de padres pedófilos. As pessoas acham que somos uma caixa postal geral para toda a correspondência com a Santa Sé”, diz Grilli. Eles também lidam com pedidos específicos sobre títulos e honrarias que podem ter sido concedidos a algum antepassado. Um grande número de pedidos vem de pessoas que procuram essas credenciais para ingressar em alguma ordem cavaleiresca. “Uma pessoa que nos enviou uma fotografia de um antepassado, dizendo que queria saber todo o possível sobre sua vida. De acordo com o que escreveu, a pessoa interessada parece ter tido laços estreitos com o papa Leão XIII; a pessoa achava que ele pode ter sido uma figura proeminente na administração papal”, diz Grilli. No entanto, após a realização de uma investigação descobriu-se que sujeito foi um modesto camareiro do papa e varredor secreto: um serviçal, por fim. Um pequeno segredo entre os muitos que ainda podem estar escondidos no coração do Arquivo Secreto.












Fonte: Revista Status e Site Oficial do Vaticano.



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