Financiado coletivamente, professor abordará cada um dos subcapítulos da obra Pedagogia da Autonomia em série de 30 episódios
Paulo Freire (1921-1997) foi um dos mais célebres educadores brasileiros. Mesmo assim, seu pensamento, que defende a Educação para consciência crítica e transformação do mundo, é alvo constante de julgamentos.
Com o objetivo de contribuir para um debate mais qualificado sobre o educador, o professor e pesquisador do Centro de Educação, Comunicação e Artes da Universidade Estadual de Londrina André Azevedo da Fonseca lançou no início do ano uma campanha naplataforma Catarse para financiar coletivamente o projeto “Pedagogia da autonomia, de Paulo Freire”. A ideia, que arrecadou R$ 11.725 com a ajuda de 143 apoiadores, é produzir vídeos que explicam cada um dos subcapítulos da obra Pedagogia da Autonomia, último livro escrito por Freire. “Sempre observei que ele é desses autores importantes que infelizmente são mais citados do que verdadeiramente lidos ou estudados. Sua obra é pouco conhecida e discutida no Brasil, sobretudo entre o público que não está habituado aos estudos de Pedagogia”, disse em entrevista ao blog Tecnologia na Educação.
Já foram publicados cinco dos 30 vídeos prometidos até o fim do ano. Eles são propositalmente curtos, com cerca de 5 minutos de duração, para propiciar a discussão pontual dos temas e tornar mais fácil o convite ao debate. “Quero que todos fiquem à vontade para discutir e compartilhar com os amigos nas redes sociais”, afirma Fonseca. Toda segunda-feira, às 10h, um novo vídeo é publicado no canal do professor.
Ele conta que começou a estudar a teoria freireana em 2004, quando se tornou professor universitário e sentiu a necessidade de melhorar sua prática docente e planejar aulas mais significativas. “Entre erros e acertos, ainda estou aprendendo a me tornar um professor em busca de ensinar e aprender com os estudantes, me esforçando para relacionar os conhecimentos de sala de aula com as suas vidas e com o mundo”, explica.
Leia a seguir trechos da conversa com o professor:
NOVA ESCOLA - O livro Pedagogia da Autonomia é de 1996. O que Paulo Freire tem a dizer aos educadores em 2015?
ANDRÉ FONSECA – Paulo Freire é um educador necessário aos novos tempos e tem muito a contribuir para a Educação no século 21. Os princípios de que o conhecimento é um processo em transformação; de que é indispensável relacionar os conhecimentos escolares com a vida dos alunos e com a realidade; de que os saberes que os estudantes já trazem de suas experiências devem interferir na dinâmica da sala de aula; e a noção de que professores e alunos devem realizar pesquisa e produzir conhecimento na escola, transformando os saberes e contribuindo com a sua comunidade com base em suas reflexões e descobertas, são muito interessantes para inspirar as transformações necessárias à Educação do nosso século.
Quais são as potencialidades da utilização de vídeos na Educação?
Ainda estou experimentando o uso do YouTube e de outras plataformas na Educação, mas vejo que há muitas possibilidades interessantes. Já emprego os vídeos nas minhas aulas no mestrado em Comunicação, por exemplo. Eles assistem previamente a um conjunto de aulas teóricas nos vídeos e aproveitamos o tempo de sala de aula para discutir, aplicar as teorias em estudos de casos e avançar no conteúdo, o que enriquece bastante as interpretações. Além disso, os vídeos oferecem uma oportunidade de promover divulgação científica em escala bem mais ampla do que estamos acostumados naACADEMIA. É uma forma de fazer extensão universitária e contribuir na popularização dos saberes acadêmicos. É claro que o YouTube não vai substituir as aulas, que exigem uma interação mais viva e métodos mais rigorosos de acompanhamento, revisão, correção e avaliação. Mas é uma ferramenta e uma linguagem interessante, e pode contribuir muito para complementar ou para aguçar o interesse de um público mais amplo.
Durante os protestos de 15 de março de 2015, uma faixa com os dizeres “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire” tomou as redes sociais. Por que a obra freireana é tão criticada?
Paulo Freire foi o educador que melhor denunciou a doutrinação ideológica nas escolas. Ele explica em que medida a Educação está carregada de ideologias e demonstra que a melhor forma de lidar com isso é a liberdade, o respeito, a lealdade, o rigor nos estudos e o estímulo a diversidade, de modo que os alunos tenham recursos para exercer a sua autonomia intelectual. Por isso, nem defino aqueles dizeres como uma crítica, pois é nítido que se trata apenas de um preconceito reproduzido por pessoas que não leram e não conhecem a pedagogia dele. Ou seja, não é uma crítica, mas uma agressão verbal. Na ampla maioria das vezes, vejo acusarem Paulo Freire de ser o avesso do que é. A palavra “doutrinação” é precisamente o contrário da pedagogia da autonomia. É aquilo que ele mais critica! E o equívoco fica ainda maior porque a pedagogia freireana raramente aparece nas escolas brasileiras, que em geral ainda se mantém firmes nos princípios autoritários que ele denuncia. Nas escolas que incorporam valores como a ética, a solidariedade e os princípios democráticos é que vemos a presença de Freire. Vejo que aqueles preconceitos são reproduzidos de um conjunto de formadores de opinião com um discurso conservador muito agressivo, que defende a perspectiva de que Educação é uma mercadoria, que os alunos são clientes e que o objetivo da escola é treinar crianças e adolescentes para o vestibular e adaptá-los para o mercado de trabalho. Paulo Freire discorda desse modelo, pois observa que a escola tem um papel mais amplo no sentido de favorecer a criatividade, a autonomia, a crítica e a humanização dos estudantes. Transformação em vez de adaptação. Para ele, alunos não devem ser um reflexo da sociedade, mas uma reflexão sobre ela.
Assista aos vídeos já publicados do projeto Pedagogia da Autonomia
Fonte: Revista Escola
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