sexta-feira, 5 de junho de 2015

A Caverna em que insistimos em permanecer.



Acredito que se fosse dado a todos os seres humanos a oportunidade de pensar da maneira mais autônoma possível, teríamos saído da caverna (referência ao mundo das aparências), conforme Platão ilustra em sua obra A República, na passagem sobre o “Mito da Caverna”. A grande questão é: Estamos dispostos a sair de nossas cavernas e nos deixar guiar pela luz do sol que ilumina o mundo exterior a essas cavernas?

O assunto que desejo abordar é um pouco complexo. O que não deveria ocorrer, caso tivéssemos uma educação que valorizasse as ciências humanas e a filosofia. Infelizmente, nossa sociedade não foi ensinada sobre a importância de entender o mundo a partir de conhecimentos que analisam os vários fenômenos sociais que estamos ligados direta ou indiretamente. Como consequência, um povo altamente despolitizado.
As redes sociais possibilitaram, dentre outras coisas, evidenciar a grande dificuldade das pessoas em assimilar conceitos básicos para o bom entendimento do que são as diversas correntes ideológicas e suas divisões. Muitos, por exemplo, afirmam ser marxistas sem ter lido sequer uma obra de Karl Marx ou de alguém que procure elucidar o pensamento deste autor. Como não bastasse, aqueles que se dizem discordar das ideias do referido pensador, muito menos. Entretanto, ambas as partes se acham no direito de expressar suas impressões sobre Marx, sem ter o mínimo conhecimento prévio para dialogar com alguém.
Não estou aqui a afirmar que essas pessoas não deveriam dizer nada. Muito pelo contrário, elas devem dizer o que pensam. Mas devem fazê-lo com propriedade, conhecer o que de fato defendem. Se não, torna-se o que chamamos de doxa, ou seja, uma opinião baseada no senso comum, sem nenhuma reflexão sobre este ou aquele assunto. Tendo apenas a intenção de perpetuar tradições, preconceitos e, na maioria das vezes, justificar discriminações.
A mídia, em especial as que pertencem aos grandes grupos corporativistas, contribui para essa (de)formação que leva a maior parte da população, até mesmo grande parte da mais “letrada”, a um estado de espírito incapaz de ver além das linhas do horizonte, de conseguir fazer um leitura crítica da realidade em que está inserido.

Os meios de comunicação que tanto falamos serem ferramentas que aproximam as pessoas, e, com a globalização e o advento da internet, nos permitem saber, quase em tempo real (ou real mesmo), o que se passa em qualquer canto do planeta, também são utilizados para distanciar indivíduos do conhecimento fundamentados na análise crítica, na observação e no uso da razão, a episteme.

Acredito que se fosse dado a todos os seres humanos a oportunidade de pensar da maneira mais autônoma possível, teríamos saído da caverna (referência ao mundo das aparências), conforme Platão ilustra em sua obra A República, na passagem sobre o “Mito da Caverna”. A grande questão é: Estamos dispostos a sair de nossas cavernas e nos deixar guiar pela luz do sol que ilumina o mundo exterior a essas cavernas?
Essa luz do sol, que podemos entender aqui como o conhecimento, está à disposição de todos aqueles que a buscam, talvez muitos podem, assim, dizer. No entanto, por se encontrar numa caverna, na caverna individual de cada ser, só se poderá ter contato com essa luz através da decisão de ouvir aquele que se libertou das correntes, que são as opiniões (doxa), e deseja mostrá-las aos demais.
Na metáfora de Platão, trata-se do filósofo que, por meio da filosofia, se libertou dos preconceitos e conhecimentos errôneos, e quer dar a oportunidade aos outros de adquirirem conhecimentos. E não é um conhecimento doutrinário ou do estilo autoajuda, os quais dependem de alguém iluminado, superior, que conduz as pessoas ao bem maior. A filosofia, na verdade, propõe fazer dos homens e mulheres seres autônomos intelectualmente. Quer dizer que, ao invés de se guiarem pelo o que lhe é dito, eles e elas construirão sua própria forma de ver o mundo, longe de superstições e aparências.

O termo “filósofo” significa literalmente “amigo da sabedoria”. Neste sentido podemos dizer que filósofo é muito mais do que um título acadêmico. É alguém que ama tanto o conhecimento que busca a todo o custo adquiri-lo, pelo simples prazer de aprender. Eis aqui o problema maior: há uma campanha crescente, digo sempre, para que as pessoas não tenham o estímulo necessário para aprender. E não é à toa! “Seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitissem às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica”, disse Paulo Freire. Diga-se de passagem, que este grande intelectual e educador, foi alvo de críticas das manifestações ocorridas nas últimas semanas. O que me causou um choque, pois, independente de sua orientação política, as contribuições dele para a educação foram e são relevantes.
Seja como for, o caminho de volta à caverna começou a ser seguida por muita gente que prefere se acomodar no meio da escuridão do que sentir a dor que a claridade provoca, no início, quando em contato com a luz. Esquece que tal dor é passageira. Assim que os olhos se acostumam, perceberá que há um mundo fantástico a ser compreendido e desvendado.
É uma pena ver que a mídia deseja nos ver presos às ideologias que nos escravizam e nos mantém longe de todo o conhecimento que poderia beneficiar a humanidade. Bom, nem sempre causa algum bem. Mas, ao menos, viabiliza tentar um mundo melhor.


Fonte: Obvious







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