Os militares, o clero,
os meirinhos, os fidalgos
que o conheciam das ruas,
das igrejas e do teatro,
das lojas dos mercadores
e até da sala do Paço;
e as donas mais as donzelas
que nunca o tinham mirado,
os meninos e os ciganos,
as mulatas e os escravos,
os cirurgiões e algebristas,
leprosos e encarangados,
e aqueles que foram doentes
e que ele havia curado
- agora estão vendo ao longe,
de longe escutando o passo
do Alferes que vai à forca,
levando ao peito o baraço,
levando no pensamento
caras, palavras e fatos:
as promessas, as mentiras,
línguas vis, amigos falsos,
coronéis, contrabandistas,
ermitões e potentados,
estalagens, vozes, sombras,
adeuses, rios, cavalos...
Ao longo dos campos verdes,
tropeiros tocando o gado..
O vento e as nuvens correndo
por cima dos montes claros.
Onde estão os poderosos?
Eram todos eles fracos?
Onde estão os protetores?
Seriam todos ingratos?
Mesquinhas almas, mesquinhas,
dos chamados leais vassalos!
Tudo leva nos seus olhos,
nos seus olhos espantados,
o Alferes que vai passando
para o imenso cadafalso,
onde morrerá, sozinho
por todos os condenados.
Ah, solidão do destino!
Ah, solidão do Calvário...
Tocam sinos: Santo Antônio?
Nossa Senhora do Parto?
Nossa Senhora da Ajuda?
Nossa Senhora do Carmo?
Frades e monjas rezando.
Todos os santos calados.
(Caminha a Bandeira
da Misericórdia.
Caminha, piedosa.
Caísse o réu vivo;
rebentasse a corda,
que o protegeria
a santa Bandeira
da Misericórdia!)
Dona Maria Primeira,
aqueles que foram salvos
não vos livram do remorso
deste que não foi perdoado..
(Pobre Rainha colhida
pelas intrigas do Paço,
pobre Rainha demente,
com os olhos em sobressalto,
a gemer: “Inferno... Inferno...“
com seus lábios sem pecado.)
Tudo leva na memória
o Alferes, que sabe o amargo
fim do seu precário corpo
diante do povo assombrado.
(Aguas, montanhas, florestas,
negros nas minas exaustos...
- Bem podíeis ser, caminhos,
de diamante ladrilhados...)
Tudo leva na memória:
em campos longos e vagos,
tristes mulheres que ocultam
seus filhos desamparados.
Longe, longe, longe, longe,
no mais profundo passado...
- pois agora é quase um morto,
que caminha sem cansaço,
que por seu pé sobe à forca,
diante daquele aparato...
Pois agora é quase um morto,
partindo em quatro pedaços,
e - para que Deus o aviste -
levantado em postes altos.
(Caminha a Bandeira
da Misericórdia.
Caminha, piedosa,
nos ares erguida,
mais alta que a tropa.
Da forca se avista
a Santa Bandeira
da Misericórdia.)
os meirinhos, os fidalgos
que o conheciam das ruas,
das igrejas e do teatro,
das lojas dos mercadores
e até da sala do Paço;
e as donas mais as donzelas
que nunca o tinham mirado,
os meninos e os ciganos,
as mulatas e os escravos,
os cirurgiões e algebristas,
leprosos e encarangados,
e aqueles que foram doentes
e que ele havia curado
- agora estão vendo ao longe,
de longe escutando o passo
do Alferes que vai à forca,
levando ao peito o baraço,
levando no pensamento
caras, palavras e fatos:
as promessas, as mentiras,
línguas vis, amigos falsos,
coronéis, contrabandistas,
ermitões e potentados,
estalagens, vozes, sombras,
adeuses, rios, cavalos...
Ao longo dos campos verdes,
tropeiros tocando o gado..
O vento e as nuvens correndo
por cima dos montes claros.
Onde estão os poderosos?
Eram todos eles fracos?
Onde estão os protetores?
Seriam todos ingratos?
Mesquinhas almas, mesquinhas,
dos chamados leais vassalos!
Tudo leva nos seus olhos,
nos seus olhos espantados,
o Alferes que vai passando
para o imenso cadafalso,
onde morrerá, sozinho
por todos os condenados.
Ah, solidão do destino!
Ah, solidão do Calvário...
Tocam sinos: Santo Antônio?
Nossa Senhora do Parto?
Nossa Senhora da Ajuda?
Nossa Senhora do Carmo?
Frades e monjas rezando.
Todos os santos calados.
(Caminha a Bandeira
da Misericórdia.
Caminha, piedosa.
Caísse o réu vivo;
rebentasse a corda,
que o protegeria
a santa Bandeira
da Misericórdia!)
Dona Maria Primeira,
aqueles que foram salvos
não vos livram do remorso
deste que não foi perdoado..
(Pobre Rainha colhida
pelas intrigas do Paço,
pobre Rainha demente,
com os olhos em sobressalto,
a gemer: “Inferno... Inferno...“
com seus lábios sem pecado.)
Tudo leva na memória
o Alferes, que sabe o amargo
fim do seu precário corpo
diante do povo assombrado.
(Aguas, montanhas, florestas,
negros nas minas exaustos...
- Bem podíeis ser, caminhos,
de diamante ladrilhados...)
Tudo leva na memória:
em campos longos e vagos,
tristes mulheres que ocultam
seus filhos desamparados.
Longe, longe, longe, longe,
no mais profundo passado...
- pois agora é quase um morto,
que caminha sem cansaço,
que por seu pé sobe à forca,
diante daquele aparato...
Pois agora é quase um morto,
partindo em quatro pedaços,
e - para que Deus o aviste -
levantado em postes altos.
(Caminha a Bandeira
da Misericórdia.
Caminha, piedosa,
nos ares erguida,
mais alta que a tropa.
Da forca se avista
a Santa Bandeira
da Misericórdia.)
Retirado da Obra Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles.
Biografia de Cecília Meireles, filha de Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil S.A., e de D. Matilde Benevides Meireles, professora municipal, Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu em 7 de novembro de 1901, na Tijuca, Rio de Janeiro. Foi a única sobrevivente dos quatros filhos do casal. O pai faleceu três meses antes do seu nascimento, e sua mãe quando ainda não tinha três anos. Criou-a, a partir de então, sua avó D. Jacinta Garcia Benevides.
Trecho retirado da Obra Romanceiros da Inconfidência.
Fotos do Google.
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