Serra do Evaristo é uma comunidade
localizada há 12 quilômetros da sede do Município de Baturité no Estado do Ceará,
há cerca de 85 quilômetros de Fortaleza.
Primeiras
Famílias.
Segundo o que passaram alguns
moradores, como a dona Naide, o seu esposo, o Sr. Manoel e o simpático Sr. Tico
(Francisco), seriam cinco principais famílias que constituem o berço da atual comunidade
do Evaristo, os “Bentos”, os “Soares”, os “Venâncios”, os “Juliões” e os “Leandros”.
Muitos afirmam que as terras de todas as famílias são herança familiar, o que
aumenta a hipótese de que sejam remanescentes de culturas negras nascidas em
formato de Quilombos. Perde-se no tempo como as cinco principais famílias chegaram
ao Evaristo.
Religião.
Muitos nos falaram sobre a
relação, pelo menos nos últimos 100 anos, da comunidade com a religião. Contam
que antes de existirem igrejas, a comunidade se reunia nas casas dos moradores,
isso até a criação de um salão da comunidade, que mais tarde tornou-se a atual
capela. Já os padres, só subiam a serra (isso em cavalos ou jumento) para
realizar “bênção final” de pessoas moribundas.
Por
que “Serra do Evaristo”?
Para muitos, a explicação
para o nome do lugar ser Serra do Evaristo, estaria ligada a um morador antigo,
provavelmente um índio, segundo contavam os pais, avós e outros encentrais de
muitos moradores. Evaristo seria uma espécie de “mártir” local, figura indígena,
guerreiro de tribo ou cacique, que lutou contra a exploração vinda da
aristocracia da região de Baturité, em nome da comunidade e que abrigou os
primeiros negros que chegavam ao local.
Transporte:
Todo o transporte de alimento da serra para a
cidade e da cidade para a serra era realizado poucas vezes em animais e na
maior parte das vezes no ombro das pessoas.
Para se casar, os moradores
saiam em procissão a pé até Baturité. O vestido da noiva era levado em um baú,
para não ser sujo por barro.
Segundo os moradores, os
mortos ou doentes da Serra do Evaristo eram levados a pé pela população até Baturité,
embalados em redes, transportados nos ombros dos homens da família do falecido
ou doente.
Trabalho:
Dona Naide nossa
entrevistada conta que homens e mulheres trabalham na roça, sendo que algumas
dessas mulheres, todas muito pobres, vendiam seu trabalho em troca de roupa ou “moda”
na linguagem dos primeiros moradores. Para se divertir, restavam pouco tempo,
sendo a peteca de palha a brincadeira “oficial” ou que acessava a infância de
muitos.
A pobreza dos roceiros era
tamanha, que muitos faziam dos sacos de farinha roupas de trabalho no campo.
Por muito tempo plantou-se,
antes da cultura predominante da banana, algodão, mandioca, urucum, milho e
feijão, nesta ordem de importância. Houve também o plantio de café, onde a
comunidade acompanhou o crescimento da procura pela cultura no século XX.
Secas:
Em um dos piores momentos
lembrados pelos anciões da Serra do Evaristo, os jovens conheceram a história
da seca de 1958, a pior para a comunidade. Segundo contam, recorreram aos céus,
através da dança de São Gonçalo para superar a falta de água. Até o Governo
Federal, em sua ação contra as secas no Nordeste, em 1958, na vizinhança do
Evaristo, a chamada Oiticica (terra plana), trouxe aviões para abastecer as
comunidades vítimas da seca. Era o chamado “Campo de Aviação”, política do
governo que acompanhou a construção da Estrada de Ferro de Baturité, segundo as
vozes dos mais velhos.
O açude da Oiticica,
importantíssimo e oportunizado após a citada escassez de água, foi construído
manualmente pelas comunidades adjacentes, pelos braços de homens e mulheres
também do Evaristo.
Dança
de São Gonçalo:
A Dança de São Gonçalo,
recorrentemente lembrada pelos novos e velhos. Foi trazido ou mantido pela
família dos Juliões. Sempre foi lembrado em períodos escassos de água em fontes
naturais e artificiais. Como contam muitos dos moradores, a história da dança
de São Gonçalo teria surgido numa oportunidade de falta de água, onde o santo,
ao som de rabeca , ao redor de um poço, colocou moças para dançarem. Desde
então, a dança é repetida ao som de instrumentos musicais populares como rabeca
e sanfona e dançada por mulheres, É o santo que recebe mais promessas na
comunidade, com pedidos voltados para todo tipo de graça. Entretanto, Dona
Marinete (Amélia), uma das moradoras mais velhas, de 87 anos, já muito cansada e
com problemas motores, dá outra versão para o surgimento da manifestação
religiosa. A Dança teria surgido para retirar mulheres da prostituição. Segundo
a entrevistada, as chamadas “mulheres perdidas” tiveram um encontro com um
homem, que seria o São Gonçalo, que lhes ensinou a dança, tocando um instrumento
musical e desde então retirando-as da prostituição. Para ela, essa seria a
justificativa de as mulheres serem as envolvidas principalmente na manifestação
e os homens sempre na função de instrumentistas, que dão o tom do arrasta-pé
sagrado. Dona Marinete conheceu a dança desde que se entende por gente.
Já em 1932, o Macaco (fonte
de água natural do Evaristo) secou dançaram neste ano o São Gonçalo. Segundo o
agricultor e morador Sr. Tico, nunca mais o lugar secou. O nome “Macaco” foi
dado a fonte pelo fato de seu descobridor ter sido um senhor de apelido macaco.
Derretido:
Em 1964 houve um derretido
(deslizamento de terra), que obrigou muitas famílias mudarem de lugar na
comunidade, causando a perda de muitos espaços de plantação.
Tradições:
É muito interessante o
registro da tradição antiga de respeito a moral local de casar as moças após
estas serem pedidas em casamento às famílias pelos noivos. Manifestações que a
maior parte dos idosos lembra atrelados ao fato de haver um protecionismo
vinculado à comunidade. Ficou claro para nós e para os demais jovens que
acompanhavam a iniciativa que os pais e mais velhos indicavam que filhas e filhos
deveriam procurar casamento junto a pessoas da comunidade, preferencialmente, um
traço que revela que o Evaristo contém traços quilombolas, um aspecto muito
valorizado entre os remanescentes de quilombo, em períodos de afirmação ou até
hoje.
Os depoimentos nos levam a
supor que a história de ocupação negra na Serra do Evaristo tem mais de 250
anos, pois pessoas com mais de 80 anos,
na maioria, revelam que pais, avós, e até bisavós foram criados e
nascidos na comunidade. Essa informação nos revela que a comunidade foi ocupada
no momento de transformação de negros cearenses para redutos, como os
quilombos, no processo de fuga da escravidão.
O reisado também foi por
muito tempo um dos elementos mais tradicionais da Serra, o Sr. Tico, era
conhecido como Papangu, onde o mesmo fazia a encenação e procissão do reisado. Os
brincantes vestiam máscaras que representavam figuras como velhos, feiticeiros,
animais e demais figuras do folclore local. O destaque era que estes
protagonistas com o disfarce brincavam com as pessoas da comunidade, e a magia
ficava em torno da não descoberta de quem protagonizava as peças feitas com os
demais.
Outro ponto relevante foi a
importância dada aos novenários comunitários. Segundo Feliciana, que era parteira
e mestra de São Gonçalo e líder do novenário em latim, era o principal
representante das tradições no Evaristo. Antes dela, somente o avô do Sr Tico,
o Sr. Manoel Soares de Castro, também rezava em latim. Destaque para o novenário
de Nossa Senhora da Conceição, também muito cultuada na comunidade.
Contrariando a afirmação de
que os mais velhos seriam os depoentes dessa pesquisa, encontramos fitas
gravadas há quase 15 anos, com o então morador mais antigo da Serra do
Evaristo: o Sr. José Soares. Seu José, como era conhecido, disse na gravação
que a Academia Virtual de História teve acesso, que o Sr. Manoel Soares de
Castro, o Sr. Ato Bento da Silva e a Dona Maria Lia da Conceição são para ele
os moradores mais antigos, patriarcas do Evaristo.
A diversão era o forró, ao
som da gaita, da pia, da itaquara e da sanfona, em forma de quadrilha. As
novenas eram na casa de cada pessoa da comunidade, antes da capela e do salão
comunitário existirem, sendo elas em culto a São João, Nossa Senhora da
Conceição, aos santos do mês de maio, São Gonçalo, Santo Antônio e a São José. Afirmava o Sr,
José Soares no arquivo em áudio: “Quando não existia igreja tinha festejo muito
belo, muito mais que agora (...)”.
Dramas:
Outro aspecto de bastante relevância
na comunidade e alvo lembrança para os próprios são as chamadas “Dramas”, espécie
de encenação, cantoria, ou dança, que explorava alguma manifestação comum ou popular.
Segundo eles, Belendina Jerônimo, trouxe a tradição para o Evaristo. A encenação
de “Dramas” para a comunidade, muitas vezes musicadas, tornou-se, por algum tempo,
um dos destaques, recorrentes entre eles, que trabalhavam aspectos da cultura
camponesa, da vida domésticas de mulheres do campo e a relação com a terra.
Modernização:
Tico Soares, de 89 anos, nos
relatou que Osmar Marinho, então prefeito de Baturité, construiu a estrada da
comunidade à mão, junto com a população. Um caso muito emblemático e de orgulho
dos moradores do Evaristo, que sempre pleitearam um real acesso a comunidade.
Contou-nos também que a energia chegou na comunidade só nos anos 1980.
Cemitério
Indígena?
A Serra do Evaristo, nas
imediações da Igreja, em sua faixa de terras central, guarda um importante
elemento. Há anos, sempre que os moradores realizavam, na circunvizinhança
citada, uma obra, uma escavação de poço artesiano ou qualquer outra atividade
que mexesse com a terra, encontram supostas “urnas funerárias”, em formato de
pote, sendo que as mais preservadas, contêm restos mortais (ossos) humanos.
Recentemente, o assunto
voltou à pauta na comunidade, em função da passagem de um trator nas
irradiações da Igreja local para a disponibilização de um terreno dedicado ao futebol,
que fez eclodir mais urnas funerárias.
Nas entrevistas, tentamos
interrogar as pessoas idosas a respeito deste caso, na tentativa de entender a
origem disso tudo. Quase todos citaram, sendo Sr. Tico um dos mais enfáticos,
que pais e outros ancestrais contavam
que os potes que surgiram na comunidade eram da época dos índios, que
enterraram seus corpos nestes. Disseram que Maria Sales, mãe de Maria
Feliciana, da família Venâncio, já no passado explica o caso.
Movimento
de libertação dos trabalhadores rurais:
Entre o final da década de
1980/1990 ocorreram diversos movimentos sociais que levaram a comunidade a
lutar pela superação de pobreza e falta de condições de subsistência na
localidade. Um destaque deste processo foi a adesão da comunidade ao levante
conhecido como arrastão, uma espécie de reivindicação, que contou com grande
saque aos comerciantes de Baturité em 1993,
organizado pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais em Baturité.
Outro relevante movimento
foi acampar em 1995 e 1996, em frente a Sede da Secretária do Desenvolvimento
Agrário – SDA em Fortaleza, que contou com a participação também do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e do Movimento Progressista da Igreja
Católica. Os moradores do Evaristo reivindicaram frentes de serviços, para dar
condições de trabalho aos agricultores locais, junto com outras comunidades
consegui através de Projetos de Assentamento, uma fazenda na comunidade jardim,
que atualmente vive dezenas de famílias assentadas. Mas a luta não para por aí
a comunidade do Evaristo, ainda consegui junto a organização social Manus
Unidos (ligada à União Europeia), um recurso financeiro que possibilitou a
compra da fazenda Nova Passagem, hoje fazenda Manus Kolping, que pertence a
comunidade do Evaristo. E essa luta não para, ainda se tem entre os jovens esse
espirito de luta, através de debates e reivindicações. Os mais velhos contam
que tudo na comunidade só veio melhorar de 20/30 anos pra cá. A situação de
pobreza sempre foi uma realidade para os moradores da Serra do Evaristo.
Sede da Comunidade.
Igreja da Serra do Evaristo.
Pedra Aguda e Serra da Tamanca em Aracoiaba, vista da Serra do Evaristo - Baturité.
Local onde foram encontrados diversas urnas funerárias.
Sob a Igreja local onde foram encontrados alguns vestígios arqueológicos.
Serra do Evaristo - Baturité.
Cidade de Baturité vista da Serra de Baturité.
Texto:
de Rafael Mesquita (Instituto de Juventude Contemporânea – IJC) com complementos
e adaptações do historiador Artur Ricardo.
Fotos dos arquivos de Artur Ricardo.
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