Ao fundo Pedra Aguda e logo abaixo cidade de Aracoiaba - Ceará.
Foto de Artur Ricardo.
Texto: A visão da Serra Aguda (Pedra Aguda).
Por Franklin Távora em seu livro Lendas e Tradições do Norte (1879).
A província do Ceará é rica
de cavernas de curiosas formação e grandeza. Muitas delas têm merecido o estudo
de sábios nacionais assim como
estrangeiros, aos quais devemos memórias e descrições que nos habilitam a conhece-las,
sem as termos visitado.
O povo completa o trabalho
da natureza com tradições, que diz estarem ligadas com o descobrimento desses
soturnos e medonhos antros. Naturalmente inclinado ao maravilhoso, acredita que
em tais tradições se acha o espírito que habita e os torna defesos aos
profanos, que deles se aproximam...
Sem percebê-los, existem espíritos
dentro em tais cavernas, são eles melancólicos havendo os manifestos.
Nada se encontra ali de ser
vivo, que se passa comprovar alguma habitante das cavernas...
Tudo leva a crer que essas
cavernas foram objetos de lendas indígenas como foram e são ainda muitas do novo
e do velho mundo. (...) as violetas, germinam e desenvolvem-se bem às sombras.
A imaginação, semelhante às
aves que suspendem seus ninhos na folhagem ou os metem em lapas escuras, não
buscam outros lugares para esconder de seus desdenhados dramas.
No fundo ou na superfície
dos rios, colocou a primitiva musa brasileira, a mãe-d’agua feiticeira,
invenção que alguns têm por origem africana, por não se encontrar no idioma
Guarany, vocábulo que a possa definir.
(...) consta-se que, tendo
sucedido a uns sertanejos que andavam por aquelas bandas, escurecer perto da
gruta da Serra Aguda (Pedra Aguda), que fica no caminho de Baturité e
tem fama de encerrar grandes riquezas em suas camarinhas, resolveram, mal grado
seu, pernoitar aí.
O mais animoso deles,
tendo-se avizinhado de uma das entradas naturais, viu de fora sobre uma mesa de
pedra um faqueiro de pedra. Diz a tradição, ainda nenhum se animou a pôr lhe a
mão em cima.
Atraído pela preciosidade e
impelido pela cobiça, o vaqueiro avançou alguns passos para a porta, mas
entendeu logo em retroceder, amedrontado por um rumor surdo, que partia de
dentro.
Seriam serpentes que
silvavam e se debatiam sobre as Lages imundas? Seriam onças, que rosnavam, como
costumam, quando sentem estranhos à entrada de suas furnas, nos escuros antros
da rocha? Era o rumor produzido pelo agitar das asas de milhares de morcegos,
que esvoaçavam pelos vastos salões do palácio encantado onde dominam como
senhores absolutos?
Ao cabo de algum tempo,
estando já fumando em seus cachimbos e deitados em suas redes pendentes de umas
árvores, que lhes tiravam a vista da gruta, viram os sertanejos chegar-se deles
uma mulher, cujas feições não puderam bem distinguir, aos frouxos clarões de
fogo, que haviam feito para espantar as cobras e as onças.
- Boa noite, meus senhores –
disse-lhe a mulher.
Nenhum se animou a
responder-lhe.
O sertanejo é corajoso e até
destemido, mas algum tanto crédulo e supersticioso. (...) imóveis, gelados de
pavor, nem se atreveram a levantar os olhos à visão que de pé, a um lado deles,
estavam como a espera de uma palavra para dizer quem era e o que queria, ou
revelar, talvez. O encanto da caverna.
Passados alguns minutos em
profundo silêncio, só entrecortado pelos das aves noturnas e pelos rumores
pavorosos de deserto, ouviu se chorar um menino da banda da serra.
Incontinenti disse a mulher
aos sertanejos estas palavras:
- Deem licença.
E desapareceu por entre umas
juremas, em cujas ramas a unha-de-gato havia formado um embastido difícil de
ser atravessado por qualquer ser humano, ainda que pequeno fosse.
Trânsitos de terror saltaram
eles no mesmo instante das redes, cujas cordas alguns cortaram por brevidade da
fugida em que se puseram aquela mesma hora, para longe do mal assombrado lugar.
Eles tinham razão para se
apavorarem do que viam e ouviam.
Aquelas paragens são
inteiramente desertas. Na circunferência de muitas léguas do sítio encantado
não se aponta uma só habitação humana.
Eis aqui a história da visão
da Serra Aguda (Pedra Aguda) que, sem cortes nem acrescentamentos, deixo
aqui relendo tal e qual ouvi de parentes meus na meninice.
- Grifo meu.
Fonte: MATOS, Rose Mary
Santana. Aracoiaba, história em retalhos. Vol. I. Fortaleza-Ceará. Ed. Premius. 2012. pp. 92-94.
Alguns vídeos de pessoas que escalaram a Pedra Aguda - Aracoiaba-Ceará.
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