quarta-feira, 31 de maio de 2017

Judeus alemães e a Primeira Guerra.


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Texto de Deutsche Welle

Sempre discriminados, judeus alemães viram na Primeira Guerra a chance de finalmente provar seu patriotismo. Mas a propaganda antissemita fez deles bodes expiatórios para a derrota, preparando caminho para o Holocausto.

O soldado está sozinho na trincheira, de feição séria e rifle em punho, mirando o horizonte longínquo, lá onde o inimigo aguarda. Contudo, de acordo com esse cartão postal antissemita da Áustria, de 1919, o suposto "perigo verdadeiro" se encontra às suas costas. Uma figura vestida de branco se aproxima por trás, empunhando uma faca. Sorridente, ela se prepara para apunhalar o soldado, "traiçoeiramente, pelas costas".

Lenda da "punhalada pelas costas" 
Mesmo sem a estrela de Davi no chapéu ou sem peiot (cachos laterais característicos dos ortodoxos), para os alemães e austríacos da época estava mais do que evidente que o suposto assassino traiçoeiro, nesse cartão-postal difamador, era um judeu. Repletos de ódio e preconceitos, os antissemitas divulgavam em seus panfletos e desenhos sempre os mesmos estereótipos desumanizadores: com os supostamente típicos lábios carnudos e nariz grande "de judeu".

Além disso, o desenhista do cartão-postal retrata a figura, evidentemente masculina, com vestido e seios de mulher. Isso porque, para a propaganda antissemita, os judeus eram covardes, traidores e – justamente – "afeminados". Contudo é o gesto anunciado neste cartão-postal que representa o maior – e completamente falso – mito surgido após o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918: a "lenda da punhalada pelas costas".

Segundo a versão do herói de guerra e futuro presidente da Alemanha (1925 a 1934) Paul von Hindenburg, o Exército alemão permanecera invicto no campo de batalha, mas teria sido "apunhalado nas costas por oposicionistas apátridas". O fato é que durante anos a propaganda alemã prometera vitória à população, mas quando despontou a ameaça da derrota, militares e políticos responsáveis quiseram se eximir de culpa. E logo se encontrou um bode expiatório: os judeus.
Patriotismo e judaísmo.

Ao eclodir a Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, o então imperador Guilherme 2º declarara: "Para mim, são todos alemães!". Muitos judeus torceram para que a afirmação se provasse verdadeira. Até então, apesar da igualdade atestada por lei, os judeus da Alemanha costumavam ser tratados como cidadãos de segunda classe. Por toda parte, esbarravam em discriminação e rejeição.

Era praticamente nula, por exemplo, a presença judaica no alto escalão do Exército. Assim, com a eclosão da guerra, muitos acreditaram que teriam a chance de provar seu patriotismo e refutar os odiosos preconceitos antissemitas.
"Aos judeus alemães! Nesta hora decisiva para seu destino, a pátria convoca todos os seus filhos a se alistarem!", conclamava, por exemplo, a Associação Central dos Cidadãos Alemães de Fé Judaica a seus membros, ao início da guerra. "Camaradas de fé! Nós os convocamos para dedicar vossas forças à pátria, para além do limite do dever cívico", prosseguia o texto.

De fato, cerca de 100 mil judeus alemães lutaram na Primeira Guerra Mundial. E, como esperado, a perseguição antissemita diminuiu com o início dos combates – reprimida pela censura do Estado, o qual, em sua política de paz civil (Burgfriedenpolitik), recolhia os panfletos de incitação popular.

Contagem falsificada.

Com o decorrer da guerra, no entanto, organizações antissemitas, como o Reichshammerbund (Liga do Martelo do Reich), voltaram a reforçar a instigação contra os judeus. Inúmeras petições alcançaram, por exemplo, o Ministério prussiano da Guerra: supostamente constatou-se um nível de abstenção do serviço militar desproporcionalmente alto entre os judeus, os quais, portanto, estariam se esquivando do "serviço à pátria".

A propaganda antissemita vingou: em outubro de 1916, o ministro da Guerra ordenou um recenseamento dos judeus conscritos presentes no Exército, que entrou para a história comoJudenzählung (contagem dos judeus). A medida causou indignação entre os muitos soldados judeus. "Deus nos livre! Então é para isso que a gente arrisca a cabeça pelo nosso país", protestou, por exemplo, o soldado judeu alemão Julius Marx.

O resultado da "contagem" nunca foi divulgado. Na realidade, as 30 mil condecorações de bravura concedidas a judeus comprovam o quanto a propaganda antissemita era falsa. Mas o estrago estava feito: panfletos antissemitas difundiam frases como "A cara sorridente deles está por toda parte, menos nas trincheiras". Ao mesmo tempo, os judeus eram acusados de ter lucrado com a guerra.

Bodes expiatórios.

"Às mães alemãs" dirigiu-se, por sua vez, a Federação do Reich dos Soldados Judeus no Front, em 1920. No cartaz, uma mãe de luto está sentada ao pé de um túmulo ornamentado com a Cruz de Ferro, de mérito militar: "Mães alemãs, não tolerem que as mães judias sejam escarnecidas em sua dor." "Doze mil soldados judeus tombaram nos campos de batalha pela honra da pátria", diz a lápide.

A mensagem é que soldados judeus e não judeus haviam lutado juntos e sido enterrados em "terras estrangeiras". Por fim, o cartaz se dirige contra a perseguição antissemita: "O ódio partidário cego não se detém diante dos túmulos dos mortos." A referência é, em grande parte, à "lenda da punhalada pelas costas", que a essa altura já era amplamente conhecida na população. Judeus, socialistas e democratas serviam como bode expiatório pela derrota na guerra.

Após o colapso do Reich Alemão, fundou-se a democrática República de Weimar, rejeitada por muitos alemães. O jovem Estado foi escarnecido como "República dos Judeus" e seus representantes tornaram-se vítimas de violência e atentados.
O ministro do Exterior Walther Rathenau morreu num ataque de extrema direita, em 1922. Antes, porém, as tendências homicidas contra o político de origem judaica haviam sido encorajadas por palavras de ordem do gênero "Porco judeu, o Rathenau, matem ele a golpes de pau".

Na propaganda nazista, por fim, o clichê do judeu se tornou símbolo para tudo que os populistas de extrema direita rejeitavam: derrota na guerra, revolução, socialismo, democracia. Após a tomada do poder pelos nazistas, começou uma perseguição aos judeus sem precedentes na história, que culminou no Holocausto. E neste, a desumana propaganda antissemita, difundida há tanto tempo, desempenharia um papel fundamental.


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