quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Resgate de Memória: Quem foi Estevão Silva?

Primeiro artista negro formado na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, também é reconhecido por sua rebeldia ao defender-se de certas injustiças na frente do próprio Imperador Pedro II, conheça Estevão Silva!


PUBLICADO EM ARTES E IDEIAS POR .


Considerado o primeiro pintor negro a ser destacado na Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, onde ingressou em 1864, Estevão Roberto da Silva é um nome desconhecido nas artes brasileiras mesmo sendo um grande artista e um dos principais pintores de naturezas-mortas do século XIX.
“Ali está a fidelidade, está a realidade, e quando o artista consegue nos iludir perfeitamente, quando consegue passar para a tela o que vê e o que sente na natureza, tem conseguido tudo.” (DUQUE,1995,p.219)
Sabe-se pouco sobre Estevão Silva, na escassa bibliografia que cita o pintor é dito que o mesmo era filho de escravos africanos e nasceu no Rio de Janeiro por volta de 1845, faleceu no mesmo local em 1891.
No período em que frequentou a Academia Imperial de Belas Artes foi aluno de Victor Meirelles, Jules Le Chevrel e Agostinho José da Motta. Deve-se a Agostinho da Motta, pioneiro no gênero de naturezas-mortas, a forte influência e destreza de Estevão por este gênero.
Segundo o crítico de arte Gonzaga Duque as naturezas-mortas de Estevão tinham formas tão realísticas que de olhá-las era como se pudéssemos sentir o aroma e a textura das frutas: “Os seus pêssegos são na forma, na cor, na penugem macia e alourada que os reveste, verdadeiros pêssegos; sente-se nas mangas por ele pintadas o olor penetrante e delicado desses frutos saborosíssimos; não é possível que haja cor mais exata, desenho mais preciso, do que a cor e o desenho desses abacaxis que se vêem em suas telas, entre os mais frescos, os mais sazonados cambucás, abacates e laranjas. Que excelentes uvas, que doces araçás, que gostosos frutos, estes que ele imita.”(DUQUE, 1995, p.219)
Estevão Silva, Natureza-Morta, 1884 - Coleção Reginaldo Bertolino (São Paulo)

Estevão Silva, Natureza-morta ,s.d.- Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo (São Paulo-SP)

Estevão Silva, Natureza-Morta, Figos e Maracujás,s.d.- Coleção Therezinha Pinotti (São Paulo)

Estevão Silva, Grumixamas e Jaboticabas, s.d.

Estevão Silva, Natureza-morta ,s.d.- Coleção Família Sebastião Loures (Rio de Janeiro)

Estevão Silva, Menino com melancia, 1889.- Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo (São Paulo-SP)

Percebe-se a riqueza dos detalhes em suas obras, ainda Gonzaga Duque enfatiza: “Não sei se já lhe aconteceu atarantar-se diante de gárrulo enxame de pássaros que, invadindo seu atelier, viesse beliscar as telas, mas posso afirmar que os seus quadros desafiam nosso paladar.” (DUQUE, 1995, p.219)

Estevão Silva, Natureza-morta, 1888 - Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo (São Paulo-SP)


Conviveu com o Grupo Grimm, cujo ideal do grupo, liderado por Georg Grimm, era a observação direta da natureza, mas mesmo assim não desligou-se da Academia.
Em sua vida artística conquistou algumas medalhas em exposições, mas em 1879 ocorre um episódio que o torna particularmente conhecido. Estevão rebelou-se, na frente do Imperador Pedro II, ao defender-se das injustiças da premiação destinada à ele na 25ª Exposição Geral de Belas Artes da Academia.
“A mais antiga referência a Estevão remonta a 1879 a um seu ato de altiva rebeldia, perante o próprio Imperador Pedro II, na sessão solene de entrega de prêmio àqueles que se distinguiram na Exposição Geral da Academia, o pintor levantou-se para protestar contra a premiação que lhe coubera, dizendo-se injustiçado. O escândalo foi enorme, tanto que, quase um ano mais tarde, a 20 de fevereiro de 1890, uma comissão nomeada pelo diretor para apurar o incidente aplicava a Estevão a pena de suspensão por um ano, reconhecendo que praticara "um atentado sem exemplos nos anais da Academia", da qual só não foi expulso porque a mencionada comissão, após lhe ouvir a defesa, convencera-se de que agira "por acanhamento da inteligência". Em sua autobiografia, Antônio Parreiras, que assistiu ao acontecimento descreve o fato: - Estávamos convencidos de que o primeiro prêmio seria conferido a Estevão Silva. Ele trêmulo, comovido, esperava. A sua cabeça pendeu, seus olhos se encheram de lágrimas. Recuou, e foi ficar atrás de todos. Íamos nos revoltar - Silêncio! Eu sei o que devo fazer. Tão imperiosamente foram ditas estas palavras, por aquele homem que chorava, que obedecemos. Um por um, foram sendo chamados os premiados. Finalmente, o nome de Estevão Silva ecoou na sala. Calmo, passou entre nós. A passos lentos atravessou o salão. Aproximou-se do estrado, onde estava o Imperador. Depois, belo oh! muito belo! - aquele negro ergueu arrogantemente a cabeça e forte gritou: Recuso!” (LEITE,1988,p.476)
Segue o parecer da comissão:
""A Comissão nomeada pelo Exmo. Sr. Cons. Diretor para indicar do desacato praticado pelo aluno Estêvão Roberto da Silva, por ocasião do ato solene da distribuição dos prêmios aos alunos que mais se distinguiram na última exposição, havendo chamado à sua presença o mesmo aluno, ouviu-o e foi convidado a produzir, em sua defesa, e, tendo formado juízo a respeito do fato, vem apresentar seu parecer.
"Que o aluno de que se trata, perturbando de modo insólito, com um protesto verbal, a marcha da solenidade da sessão pública da distribuição dos prêmios, incorreu na disposição dos artigos 149 e 155, é indubitável: não só porque promoveu, com surpresa geral, uma desordem moral, embora transitório, dentro do edifício, mas também porque, de modo irreverente, irrogou [impôs] à Congregação uma injúria afrontosa, podo em dúvida a retidão do juízo profissional dos seus mestres, faltando assim, com desprezo das conveniências, ao respeito devido aos seus superiores.
"Cometeu, pois, aquele aluno, um atentado sem exemplo nos anais da Academia, violando as regras da sua disciplina. Foi, portanto, manifesto o desacato e flagrante a quebra da disciplina escolar.
"Mas a Comissão, ouvindo a defesa do delinqüente, convenceu-se de que, por acanhamento de inteligência, aquele aluno, quer tivesse procedido de motu proprio, quer cedesse às sugestões de algum mal-intencionado, não teve pleno conhecimento do mal, nem direta intenção de o praticar. Pecou, pois, aquele aluno, por manifesta curteza de entendimento, e nunca por inteira má fé, na jurídica acepção da expressão.
"Entretanto, a Comissão, sabendo que não deve passar sem corretivo o perniciosíssimo exemplo levantado pelo aluno em questão, e vendo que o regime disciplinar da Academia exige que não se tolere a menor quebra de disciplina, é, em conclusão, de parecer que, sendo tomada em conta de circunstância atenuante a indigência intelectual do aluno delinqüente, seja ele considerado unicamente incurso no grau mínimo do art. 155 dos Estatutos, e punido com a suspensão dos estudos por um ano.
"É essa a opinião da comissão, que a submete a melhor juízo. Academia de Belas Artes, 20 de fevereiro de 1880. E. G. Moreira Maia; Francisco Manuel Chaves Pinheiro; José de Medeiros.
"Depois de longa discussão, é este parecer unanimemente aprovado, e imposta ao aluno Estêvão Roberto da Silva a pena de suspensão dos estudos por um ano, na forma do art. 155 dos Estatutos; que lhe será comunicada."" (FREIRE, 1983)
Após esse conturbado acontecimento, Estevão, nos anos de 1880 lecionou no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro.
Um artista admirado por seus colegas e por colecionadores, nossa grande referência no gênero de naturezas-mortas e, principalmente, primeiro pintor negro que obteve destaque na Academia Imperial de Belas Artes, não pode ficar à sombra da História da Arte Brasileira do século XIX. Tão realística quanto suas frutas a sua história merece reconhecimento, maior estudo e divulgação.
Locais onde podemos observar algumas obras do artista:
Museu Afro Brasil : Avenida Pedro Álvares Cabral, Portão 10 - Parque Ibirapuera, São Paulo - SP
Pinacoteca do Estado de São Paulo : Praça da Luz, 2 - Luz, São Paulo - SP
Referências Bibliográficas:
ESTRADA, Luiz Gonzaga Duque. A Arte Brasileira. Campinas: Mercado das Letras,1995.
FREIRE, Laudelino. Um século de pintura: apontamentos para a história da pintura no Brasil: de 1816-1916. Rio de Janeiro: Fontana, 1983.
LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. 1988



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