Teatro São João em Sobral - Ceará.
Por: Raimundo Arcanjo
Adaptação e revisão: João Artur
A ideia
de se construir um teatro estava ligada a concepção de que o teatro era
um "farol civilizador". Representava ele ao velho servilismo cultural das
elites cearenses de se distinguir dos "tabaréus" do sertão a sua volta
cultivando signos e símbolos de civilização; era como se dissessem, com
isso, que aqueles que frequentavam ao teatro (era a elite da sociedade)
eram "civilizados" e "cultos", e os que não o faziam eram "incivilizados"
e "bárbaros". Estavam assim justificadas as hierarquias, o poder de
mando e os privilégios das elites (elas mereciam, pois eram mais
"civilizadas" do que os "cabocos" a sua volta!). Seria aterrador e
vergonhoso admitir-se que, em plena seca de 1877-79, quando na capital da
província, milhares de pessoas morriam de fome e de doenças (Rodolfo
Teófilo fala que num só dia morreram mil pessoas de varíola), na reião
norte, enquanto isso as elites políticas de Sobral estavam construído templos de
ostentação aristocrático.
A construção em Sobral do Teatro São João, ganhou impulso graças as verbas da seca de 1877-79:
Depois
que o presidente da sociedade [União Sobralense], Dr. Antonio Joaquim
Rodrigues Junior, abriu a sessão, procedeu-se à leitura da ata, que foi
colocada na cavidade da pedra com três fotografias de ruas da cidade,
alguns números d’ “O sobralense”, moedas de prata, cobre e níquel da
época atual. A cerimônia religiosa foi ministrada pelo Ver. João José de
Castro, e serviu de paraninfo o Dr. Vicente Alves de Paula Pessôa, Juiz de Direito da Comarca. [...].
As
obras continuaram, porém morosamente, até que, pela verba dotada para
socorros públicos na seca de 1877, tomaram impulso, sendo desta época
quase todo o arcabouço. Nesta fase da construção, merece ser evocado,
por sua eficaz ingerência, o presidente José Julio de Albuquerque Barros, Barão de Sobral. [1]
Segundo Raimundo Girão, o presidente da província do Ceará, José Júlio governou o Ceará de 8 de março de 1878 [...] a 2 de janeiro de 1880 [2]. Somando
forças ao velho Francisco de Paula Pessoa (o senador dos bois) e a seu
filho Vicente de Paula (juiz de direito em Sobral nesta ocasião), Júlio e
seus aliados tiveram força política para angariar recursos federais a
serem empregados na região norte, e não apenas na capital da província.
(ao contrário do que apregoa a historiografia radicada na Universidade Federal do ceará - UFC, a seca
“apocalíptica” referida por Sebastião Rogério Ponte[3] e Frederico de Castro Neves[4]
fora um fenômeno urbano especifico de Fortaleza – a capital pagava o
auto preço pela centralização administrativa. Na região norte do Ceará
esta seca se traduzia na ampliação dos investimentos do poder central em
obras públicas ligadas as instituições de poder político, como casas de
câmara e cadeias - em Ipu, Sobral, Camocim, Granja, entre outras -, e
com a construção da Estrada de Ferro de Sobral). A história da seca - e de seus usos e abusos - na região norte do Ceará ainda está por ser escrita.
Ao
presidente do Ceará, José Júlio Barros, um dos juristas mais
contemplados pelo Imperador com títulos e nomeações, e ao velho senador
Francisco de Paula Pessoa, os interesses pessoais, a lógica de favorecer
primeiramente o seu grupo de parentes e amigos estava à frente da
lógica do “bem comum” (ligado aos interesses nacionais ou provinciais). E
o velho Imperador e seus ministros, carentes de apoio político – pois o
republicanismo crescia a olhos vistos - atenderam-lhes aos caprichos. E
a Estrada de Ferro de Sobral estendeu seus trilhos – ignorando a cidade de Ibiapaba – sobre o coração semi-árido da região norte cearense. Assim
como Sobral teve o seu tótem de adoração aos valores aristocráticos de
sua elite vaidosa e pedante.
Antonio Bezerra de Menezes deixou para a posteridade o seu protesto:
Aquilo
significava para mim a última palavra da vaidade humana, a ostentação
caprichosa da falta de patriotismo, a impunidade do extravio dos
dinheiros públicos sob fútil motivo, o ridículo mais cruciante aos
sacrifícios de um povo inconsciente dos seus direitos!
Adiante
me encarregarei de provar o que vem a ser aquêle luxo de despesa,
aquela argalhada de escárnio modelada em escala ascendente, desde
Camucim até Sobral, que nem o futuro com tôdas as suas promessas de
grandeza será capaz de fazer emudecer.
... não conheço nesta província nada mais inútil, nem mais ilusório, que aquela grande mentira escrita em 131 quilômetros de trilhos de ferro. [1]
Dom José tentou fazer a defesa da ferrovia e do teatro de Sobral, mas dadas as condições
econômicas e históricas em que ambos foram construídos, aquelas obras
são indefensáveis. Como diria Bezerra:
"Aquilo significava para mim a última palavra da vaidade humana, a ostentação caprichosa da falta de patriotismo, a impunidade do extravio dos dinheiros públicos sob fútil motivo, o ridículo mais cruciante aos sacrifícios de um povo inconsciente dos seus direitos!"
"Aquilo significava para mim a última palavra da vaidade humana, a ostentação caprichosa da falta de patriotismo, a impunidade do extravio dos dinheiros públicos sob fútil motivo, o ridículo mais cruciante aos sacrifícios de um povo inconsciente dos seus direitos!"
[1] MENEZES, Antônio Bezerra de. Notas de Viagem. Imprensa Universitária do ceará: Fortaleza, 1965. p. 67.
[1] FROTA, D. José Tubinabá da. História de Sobral. 2ª ed. Fortaleza: Editora Henriqueta Galeno, 1974. p. 496-497. (o grifo é nosso).
[2] Girão. R. 1985. op. cit. p. 302. Anos mais tarde – em 1887 – este homem seria agraciado com o título de Barão de Sobral.
[3] PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: reformas urbanas e controle social (1860 – 1930). 3ª ed. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001.
[4] NEVES, Frederico de Castro. A multidão na história: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense. Tese de doutorado, 1998.
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